Não nos iludamos. O vírus não veio para dar lição de moral à humanidade nem para ajudar a natureza a se livrar de seus maiores predadores. Veio para cumprir o seu ciclo químico de infectar organismos vivos na tentativa de se replicar, ainda que para isso possa causar a morte dos seus hospedeiros. Portanto, todas as previsões de como sairemos desse episódio surreal da caminhada humana são apenas conjecturas motivadas por nossos desejos e medos – e pela nossa irremediável pretensão de querer adivinhar o futuro. Ninguém previu que esse cavaleiro do Apocalipse desembarcaria por aqui no final de 2019. Nem Harari, que dava como superados os flagelos da peste, da fome e das guerras no seu Homo Deus, nem Nostradamus, ainda que um texto falso atribuído ao alquimista da Renascença continue circulando pelas redes ficcionais da internet – fake já competentemente desmascarada pelo sábio Leandro Karnal.

– Em época de crise – ponderou o historiador -, as pessoas se abrem para profecias porque desejam controlar a angústia do futuro. Existe também uma ansiedade por sentido.

Isso, sim, faz sentido. Outro dia, provavelmente movido por esta mesma ansiedade, resolvi pesquisar sobre o desfecho da Gripe Espanhola, que é o que temos mais próximo de nós com alguma semelhança à atual pandemia. Encontrei um artigo da bióloga Natalia Pasternak Taschner, do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo, que me deixou bastante impressionado. Foi escrito em 2018, por ocasião dos 100 anos da Espanhola. Sua visão científica me pareceu quase premonitória:

– Estamos protegidos de uma nova pandemia? Creio que dificilmente vamos encarar uma gripe tão agressiva e mortal como a de 1918. Mas o influenza não pode ser subestimado. Nós, humanos, temos uma tendência a esquecer os percalços da história. Que o centenário da gripe espanhola refresque nossa memória! – profetizou.

No mesmo texto, ela toca de leve naquilo que eu procurava, que é a forma como um vírus mortal perde força e sai de cena: E, de repente, em 1919, da mesma maneira abrupta com que o vírus chegou, ele sumiu… Provavelmente porque grande parte das pessoas que sobreviveram já havia criado anticorpos. Especula-se também que uma nova mutação tenha tornado o agente infeccioso mais ameno e incapaz de semear a discórdia nos pulmões. Não há um veredicto preciso.

O estrago foi grande daquela vez, nem vou repetir os números aterradores. Mas o que parece previsível, pela literatura científica, é que em algum momento dessa angustiante batalha a gente vai começar a virar o jogo.

Por Nilson Souza

Publicado no Zero Hora – RS