Campo Grande, 19/04/2024 04:17

Blog do Manoel Afonso

Opinião e atitude no Mato Grosso do Sul

Artigos

Artigos • 28 ago, 2020

Falta Bom Senso ou sobra Má-fé?


Você conhece a “Fábula dos Porcos Assados”? Certa vez, ocorreu um incêndio num bosque onde havia alguns porcos, que foram assados pelo fogo. Os homens, que até então comiam a carne crua, experimentaram a deliciosa carne assada. A partir daí, toda vez que queriam comer porco assado, incendiavam um bosque. O tempo passou e o sistema de assar porcos continuou basicamente o mesmo. Mas não funcionava bem: às vezes os animais ficavam queimados demais ou parcialmente crus. As causas, segundo os especialistas, eram atribuídas aos porcos, que não permaneciam onde deveriam, ou à inconstante natureza do fogo, tão difícil de controlar, ou, ainda, às árvores, excessivamente verdes, ou à umidade da terra ou ao serviço de informações meteorológicas, que não acertava o lugar, o momento e a quantidade das chuvas…

Como se vê, o sistema de assar porcos era muito complexo. Fora montada uma grande estrutura: havia maquinário diversificado, indivíduos dedicados a acender o fogo e especialistas em ventos – os “anemotécnicos”. Havia um diretor-geral de Assamento, um diretor de Técnicas Ígneas, um administrador-geral de Reflorestamento, uma Comissão de Treinamento Profissional em Porcologia e um Instituto Superior de Cultura e Técnicas Alimentícias. Eram milhares de pessoas trabalhando na preparação dos bosques, que logo seriam incendiados. Havia especialistas estrangeiros estudando as melhores técnicas de fogo e a importação das melhores árvores e sementes. Havia grandes instalações para manter os porcos afastados, antes do incêndio, sendo liberados apenas no momento oportuno. Os custos de todo o processo eram altos.

Um dia, um dos técnico incendiadores, chamado João Bom-Senso, resolveu dizer que o problema era simples e fácil de ser resolvido – bastava, primeiramente, matar o porco escolhido, limpando e cortando adequadamente o animal, colocando-o então sobre uma armação metálica, em brasas, até que o efeito do calor assasse a carne. Tendo sido informado sobre as idéias do funcionário, o diretor-geral de Assamento mandou chamá-lo ao seu gabinete e disse-lhe: – Tudo o que o senhor propõe está correto, mas não funciona na prática. O que o senhor faria, por exemplo, com os anemotécnicos, caso viéssemos a aplicar a sua teoria? E com os acendedores de diversas especialidades? E os especialistas em sementes? E os desenhistas de instalações para porcos? E as máquinas purificadoras de ar? E os conferencistas e estudiosos, que ano após ano têm trabalhado no Programa de Reforma e Melhoramentos? Que faço com eles, se a sua solução resolver tudo? Hein? – “Não sei”, disse João, encabulado.

– O senhor compreende que eu não posso simplesmente convocar os anemotécnicos e dizer-lhes que tudo se resume a utilizar brasinhas? O que o senhor espera que eu faça com os quilômetros de bosques já preparados, cujas árvores não dão frutos e nem têm folhas para dar sombra? E o que fazer com nossos engenheiros em porcopirotecnia? Vamos, diga-me! – “Não sei, senhor”, disse o Bom-Senso, constrangido. Finalizou o diretor: – Bem, agora que o senhor conhece as dimensões do problema, não saia dizendo por aí que pode resolver tudo. O problema é bem mais sério do que o senhor imagina. E, cá entre nós, devo recomendar-lhe que não insista nessa sua idéia… Isso poderia trazer problemas para o senhor no seu cargo. João Bom-Senso, coitado, não falou mais um “a”. Sem despedir-se, meio atordoado, saiu de fininho e ninguém nunca mais o viu. Por isso é que até hoje se diz, quando há reuniões de Reforma e Melhoramentos, que falta o Bom Senso.

Podemos dizer, com certeza, que essa é uma fábula baseada em fatos reais. A máquina estatal brasileira vem funcionando há muitos anos da mesma forma: sem nenhum bom senso, com altos gastos e pouco resultado. Especialmente no alto escalão dos poderes (Distrito Federal), onde temos milhares de servidores, eleitos ou contratados, com regalias e remuneração fora dos parâmetros do mercado. Uma estrutura complexa, com produção precária. O retorno de todo o investimento, como sabemos, é muito baixo. Um sistema caro e ineficiente. O Estado absorve riquezas da população produtiva, mas ele produz o quê? Qual o trabalho desenvolvido em troca? As funções estão sendo devidamente cumpridas? O povo está sendo atendido? Ou será que não estamos pagando caro por um “serviço porco”, como o da fábula? Sem falar no luxo injustificado, de alguns privilegiados, financiado com o dinheiro dos nossos impostos, fruto de muito trabalho duro de milhões de brasileiros.

Por exemplo, não faz muito tempo que a nossa Suprema Corte (STF), já beneficiada com o teto salarial máximo constitucionalmente previsto (além de uma série de benefícios e mordomias legais) estava contratando “serviços de fornecimento de refeições institucionais”, com gasto estimado de R$ 1,134 milhão. O menu inclui camarão, lagosta, bacalhau, codorna, cordeiro e filé. Os vinhos recebem atenção especial. Safra igual ou posterior a 2010 e que “tenha pelo menos 4 (quatro) premiações internacionais”. Deve ser ainda “envelhecido em barril de carvalho francês, americano ou ambos, de primeiro uso, por período mínimo de 12 (doze) meses.” A caipirinha tem que ser feita com “cachaça de alta qualidade”, ou seja: “cachaças envelhecidas em barris de madeira nobre por 1 (um) ou 3 (três) anos.” Destilados, como uísques de malte, de grão ou sua mistura, devem ser envelhecidos por 12, 15 ou 18 anos. “As bebidas deverão ser perfeitamente harmonizadas com os alimentos”. Destaquei todos esses detalhes para os leitores perceberem o nível de abuso da utilização dos recursos públicos. É assim que eles tratam do dinheiro suado do povo brasileiro.

Quando o assunto é o nosso poder Legislativo, também temos uma série de absurdos. Nossos deputados custam, por ano, mais de R$ 3,3 milhões, o que inclui os subsídios, mais auxílio moradia, mais verba de gabinete, mais verba para gastos extras. Além de tudo isso, há ressarcimento total com despesas de saúde, mais duas remunerações anuais, férias e recessos em dobro. E ainda tem mais: os deputados dispõem de uma cota, chamada “cotão”, para incluir o pagamento de passagens aéreas, frete de aeronaves, alimentação, cota postal e telefônica, combustíveis e lubrificantes, consultorias, aluguel e demais despesas de escritórios políticos, assinatura de publicações e serviços de TV, internet, contratação de serviços de segurança e por aí vai. Ou seja, eles podem incluir quase qualquer gasto no tal cotão. O custo Câmara e Senado é assustadoramente alto. Segundo um estudo da ONU, o Brasil fica em 2° lugar entre as nações que mais gastam com seus políticos e benefícios custeados pela população. E não estamos incluindo a corrupção, o que provavelmente nos colocaria em primeiro lugar. Vale lembrar que salários e privilégios dos políticos são constantemente aumentados por eles mesmos, sempre acima da inflação. O nosso poder Judiciário, segundo a mesma pesquisa, vence nesse quesito, como sendo o mais caro do mundo, custando mais de 1,3% do PIB brasileiro, superando salários de magistrados na Itália, França e diversos países da Europa.

Realmente, falta o bom senso. É uma conta que não fecha. Um sistema que gasta demais e produz de menos. Um modelo falido. O país está endividado! Não há recursos suficientes para sustentar tudo isso. E não há justificativas para sustentar tudo isso! Então, por que ainda continuam? Não é um raciocínio difícil de fazer. Basta o tal do bom senso (e boa-fé). Se o protagonista da fábula narrada acima, João Bom-Senso, estivesse na frente das autoridades brasileiras, particularmente as do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal, certamente ele perguntaria: – Por que não podemos reduzir seus privilégios e mordomias (que estão sobrando) para investir em serviços de saúde, educação e segurança (que estão faltando) para a população? E aí, qual seria a resposta das “ilustres excelências”? Deixo por conta da imaginação dos leitores.

Por Rodolpho Barreto Pereira

Instagram: @rodolphobpereira – Whatsapp: (51) 9 8616-3132

*O autor é analista judiciário, pós-graduado em direito público, palestrante, colunista e articulista nas áreas de desenvolvimento pessoal, espiritualidade e atualidades

 




Deixe seu comentário