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Artigos • 21 out, 2019

M.G.T.O.W (artigo/Luiz F. Pondé)


 

‘Não engravido mais ninguém. Depois ela leva meu filho embora e sobram só as contas’

Nietzsche, no século 19, fez a crítica do ressentimento. A pergunta capital hoje é: sua crítica estaria perdendo força à medida que o ressentimento passa de afeto reativo a ativo? O ressentido (ou ressentida, para contemplar os idiotas de gênero) saiu do armário e disse: afinal, qual o problema com o ressentimento?

Uma das fronteiras de todo comportamento é ver em si mesmo alguma forma de racionalidade. Quando uma forma de comportamento acha sua racionalidade, teria atingindo sua maioridade (Kant, no século 18, não pensaria diferente essa relação entre racionalidade e maioridade).

O ressentimento está atravessando essa fronteira. Na política já o fez: que se danem os outros que não pensam como eu, o mundo é meu ou o outro me destrói —este é o credo da polarização, ainda que inconfesso.

Para Nietzsche, o ressentido era alguém medíocre, covarde, irrelevante, que se autoflagelava com suas próprias misérias, incapaz de lidar com a indiferença do universo, do mundo e dos outros. Quem é o ressentido emancipado agora? São muitos, mas vejamos hoje o caso dos homens.

Sendo o ressentimento um afeto, é no terreno dos afetos que ele faz seu maior estrago. Os homens passaram à ação: “Men going their own way” (homens que seguem seus próprios caminhos), a forma longa de M.G.T.O.W. O livro da pesquisadora Helen Smith, “Men on Strike” (homens em greve), de 2013, é a Bíblia desses homens que decidiram, racionalmente, recusar a norma social imposta a eles pela sociedade atual.

Gostou da frase “norma imposta a eles pela sociedade”? Sei. Parece frase de feminista. Mas é para parecer mesmo. O M.G.T.O.W. é uma resposta a certos desdobramentos do feminismo no campo do comportamento em geral: amor, sexo, casamento, vida em família.

A racionalidade do comportamento desses homens, descrita por Helen Smith, é que o papel social que cabe ao homem heterossexual no mundo contemporâneo não mais vale a pena o investimento.

O homem heterossexual é apresentado nas mídias, na arte em geral, no poder público, nas escolas, nas faculdades e nas ciências humanas, como um idiota, assassino de mulheres, ogro, estúpido, infantil, ou, na melhor das hipóteses, um tarado insensível.

No mínimo, ele se tornará o idiota escravo que quer satisfazer inutilmente sua mulher. Tolstói, no seu maravilhoso conto “A morte de Ivan Ilitch”, teria sido um profeta desse homem idiota em buscar, sem sucesso, satisfazer o infinito tédio feminino.

Qualquer pessoa minimamente familiarizada com a crítica nietzschiana, veria nessa recusa masculina traços marcantes do ressentimento, no caso, em relação à emancipação feminina.

O homem sempre teve medo da mulher —e Ivan Ilitch é uma vítima deste medo.

A mulher emancipada continuou a fazer as velhas demandas femininas (sucesso profissional do homem, sexo eficaz, joias, vida cheia de eventos, filhos), mas a contrapartida masculina desapareceu. Qual contrapartida?

O homem devia ser corajoso, trabalhador, bom pai, seguro. Trata-se aqui das virtudes normativas do comportamento do bom homem (“the family guy”, como se diz em inglês, “o homem de família”).

Em troca, ele era respeitado pelos filhos e pela mulher como aquele que dedica sua saúde, seus melhores anos de vida e suas habilidades de sobrevivência à família. A destruição sistemática desse homem aconteceu na medida em que toda a cultura escolheu representar o homem através dos seus piores espécimes. Aqui se dá o encontro entre o ressentimento e a racionalidade daqueles que se identificam com o M.G.T.O.W: “se é assim que me veem, estou fora do jogo”.

“Não engravido mais ninguém, porque depois ela leva meu filho embora e para mim sobram só as contas.” A liberação sexual tornou o sexo muito mais acessível e barato pois ela divide as contas.

Sites de relacionamento oferecem mulheres loucas para transar de várias idades e perfis. Se as mulheres decidiram que não precisam socialmente e afetivamente dos homens, esses homens respondem: nós tampouco precisamos de vocês. O ressentimento venceu em ambos os sexos.

*Publicado na Folha de S.Paulo




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