Algumas pessoas, quando atingem certa idade, não conseguem mais entender o mundo, porque não aceitam que tudo, inclusive elas, esteja sempre mudando. Mas a regra da transformação inexorável é universal, e Heráclito já a ensinou 25 séculos atrás. Nós mudamos, a vida muda, e nenhuma nostalgia trará de volta o que já foi.

Por isso, fiquei surpreso, ontem, quando entrevistamos o ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso, no Timeline Gaúcha. Porque, às vésperas de completar 90 anos de idade, ele analisou o mundo atual com uma coerência e uma agudeza raras. Para falar a verdade, ainda não tinha visto alguém apresentar compreensão tão sutil do que está acontecendo e do que pode acontecer.

É isso.

A intensa, maciça e incessante troca de opiniões entre essas micropartículas das sociedades produziu um fenômeno inédito na História: a geração de gigantescas ondas de descontentamento sem causas definidas. É o que vem acontecendo no Brasil há sete anos e ainda acontece no Chile, na França, em Hong Kong e em muitos outros lugares do planeta. As pessoas saem às ruas e expressam publicamente sua infelicidade sem que haja um líder para negociar por elas ou uma exigência para ser atendida. Que bandeira elas carregam? Não há uma, são várias, nenhuma em especial. Elas simplesmente não estão mais contentes com a vida que levam e querem que alguém faça algo a respeito.

Esses motins em massa podem explodir a qualquer momento, por qualquer motivo, em qualquer país, com qualquer regime político, porque a contrariedade está no ar, unindo os espíritos na mesma angústia, que talvez seja apenas a angústia de viver num mundo tão cheio de ofertas, apelos, ameaças e opções, um mundo que muda com velocidade tão insuportavelmente alta, que nem um Heráclito poderia prever, talvez um Fernando Henrique entronado à distância segura de quem já fez o que achava que deveria fazer e que já viveu tudo o que poderia viver.

Ele mesmo, Fernando Henrique, abordou isso na entrevista. Disse que tentou experimentar com plenitude cada fase da sua trajetória, sem reclamar, sorvendo o momento. Fez isso como professor, como presidente da República e, agora, como um nonagenário que observa o mundo ao redor, que pensa e que se esforça para entender. Sem nostalgia.

E, sobretudo, sem amargura. Porque nenhuma manifestação de amargura vai tornar a vida mais fácil de se viver.

Fonte – Zero Hora – RS