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Artigos • 22 dez, 2019

“Política é missão, não profissão” (Gaudêncio Torquato)


A política não é um fim em si mesmo. Trata-se de um sistema-meio para administrar as necessidades do povo. Sendo assim, é uma missão, não uma profissão. Aristóteles ensina que o cidadão deve servir à pólis, visando ao bem comum. Ao se afastar dessa meta, dá lugar à corrupção. Que ocorre quando “quem governa se desvia do objetivo de atingir o bem comum e passa a governar de acordo com seus interesses”, diz o filósofo.

Por conseguinte, a política não deve ser escada para promover pessoas nem meio para facilitar negócios. Como sistema, desenvolve a capacidade de responder a aspirações, transformar expectativas em programas, coordenar comportamentos coletivos e recrutar para a vida pública quem deseja cumprir uma missão social.

Esse acervo é utópico? Pode ser, mas deve servir de inspiração aos políticos. Infelizmente, em nossa cultura, a política tem sido tratada por muitos como um bom negócio. Tradição que vem lá de trás. Quando d. João III, entre 1534 e 1536, criou e doou aos donatários 14 capitanias hereditárias, plantava a semente do patrimonialismo, a imbricação do público com o privado.

Os donatários recebiam a posse da terra, podiam transferi-la para os filhos, mas não vendê-la. Consideravam a capitania como uma possessão, sua propriedade. A res publica virou coisa privada.

Hoje, parcela dos nossos representantes considera espaços públicos ocupados por seus indicados como feudos, extensões de suas posses. É assim que a política se transforma em um dos maiores e melhores negócios da Federação. O caminho é este: primeiro, conquista-se o mandato; a seguir, a política transforma-se em instrumento de intermediação. Temos um amplo mercado em um território com 27 estados (com o DF), com nichos, estruturas, cargos e posições em três esferas: federal, estadual e municipal.

O negócio da política mexe com cerca de 150 milhões de consumidores, que formam o contingente eleitoral. Para chegar até eles, um candidato gasta uns bons trocados (o custo médio está hoje em torno de 12 reais a 15 reais por eleitor), a depender do cargo disputado: vereador, prefeito, deputado estadual, deputado federal, governador, senador e presidente da República.

Para tanto, candidatos ricos bancam suas campanhas. A maior parte recebe recursos do fundo partidário ou doações. Para 2020, o fundo partidário deve ser em torno de R$ 2,5 bilhões, e o PSL e o PT, os dois maiores partidos na Câmara, receberão as maiores fatias. O que se sabe é que numa campanha se despendem entre três a quatro vezes mais recursos do que a quantia apresentada aos tribunais eleitorais. São poucos os que conseguem chegar ao Parlamento com somas pequenas.

Desse panorama, surge a pergunta: se a campanha política no Brasil é tão dispendiosa e se os candidatos gastam acima do que ganham, por que se empenham tanto em assumir a espinhosa e sacrificada missão de servir ao povo? Será que há muito desvio entre o espírito cívico de servir e o sentido prático de se servir?

E onde brota a semente da corrupção? Vejamos. Nas cercanias da política, há um costume conhecido como superfaturamento. Obras públicas, nas três malhas da administração (federal, estadual e municipal), geralmente acabam recebendo um “plus”, um dinheiro a mais. Parcelas dos recursos serve aos achacadores e vão para os cofres das campanhas, formando o círculo vicioso responsável pelo lamaçal. Hoje, esse lamaçal está sendo devassado pela Operação Lava Jato. Mas há sempre uma fresta por onde se desvia dinheiro. E isso ocorre porque nos postos-chaves estão pessoas de confiança de políticos que as indicaram.

Portanto, há um PIB informal formado por recursos extraídos das malhas da administração nas três instâncias federativas. Sanguessugas predadoras escondem-se em parcela do corpo político para sugar as veias do Estado brasileiro. Dinheiro e poder são as vigas da vida pública, mas começam a soçobrar nesse início de ciclo da ética e da transparência.

O autor é jornalista e professor da USP




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