Campo Grande, 20/04/2024 00:18

Blog do Manoel Afonso

Opinião e atitude no Mato Grosso do Sul

Artigos

Artigos • 18 ago, 2020

Prisões de ex-presidentes sul-americanos expõem tragédia da corrupção


(Por Celio Martins) –

No começo deste mês, dois ex-presidentes de países vizinhos do Brasil tiveram prisão decretada. No dia 4, a Corte Suprema de Justiça da Colômbia ordenou que o senador e ex-presidente por dois mandatos, Álvaro Uribe, fosse mantido em prisão preventiva domiciliar. Pouco mais de uma semana depois, no dia 12, o ex-presidente do Equador Abdalá Bucaram foi preso em sua casa, na cidade de Guayaquil.

As prisões de Uribe e Bucaram retratam uma realidade que já não surpreende na América do Sul: o envolvimento de chefes de Estado em irregularidades que acabam levando líderes políticos à perda de liberdade. São poucos os países sul-americanos que não tiveram ex-presidentes presos recentemente ou que estão sendo processados.

O Peru é um exemplo claro desse novo contexto.  O escândalo de pagamento de propina envolvendo a construtora brasileira Odebrecht atingiu em cheio os grandes nomes de política peruana. Além de Alan García, que cometeu suicídio em abril de 2019, antes de ser preso sob investigação por corrupção no caso Odebrecht, todos os ex-presidentes peruanos estão envolvidos em investigação de irregularidades.

Pablo Kuczynski foi levado para a prisão em 2019, em inquérito do caso Odebrecht. Em julho do ano passado, a Justiça determinou a prisão preventiva, por 18 meses, do ex-presidente peruano Ollanta Humala (2011-2016), e de sua mulher, a ex-primeira-dama Nadine Heredia. Os dois são acusados de lavagem de dinheiro por conta do recebimento de caixa dois vindo da Odebrecht durante as campanhas eleitorais de 2006 (em que Humala perdeu para Alan García) e de 2011 – quando derrotou Keiko Fujimori, filha de Alberto Fujimori e que também foi detida.

Ex-presidente do Peru Alan García se suicidou um ano após ir para a cadeia
Um ano antes de Humala ir para a cadeia, o ex-presidente Alejandro Toledo foi preso nos Estados Unidos, que atendeu pedido de extradição do Peru. Toledo também foi acusado de receber propina da Odebrecht. A construtora brasileira admitiu perante a justiça norte-americana que pagou 29 milhões de dólares em subornos no Peru.

Antes do escândalo da Odebrecht, o ex-presidente Alberto Fujimori foi preso mais de uma vez. Em janeiro de 2019 ele voltou a ser encarcerado para terminar de cumprir uma pena de 25 anos por crimes contra a humanidade durante seu governo (1990-2000). Fujimori havia passado um ano solto, depois que Kuczynski concedeu a ele o indulto presidencial no Natal de 2017.

Na Colômbia, a prisão de Álvaro Uribe provocou uma série de protestos contra e favor do ex-presidente. Uribe governou a Colômbia por dois mandatos, entre 2002 e 2010, e criou o que ficou conhecido na América Latina como uribismo – movimento orientado pelo populismo de direita e liberalismo econômico, tendo como principal aliado internacional os EUA.

O processo contra Uribe foi aberto em 2012, com a acusação de ter manipulado testemunhas em uma investigação envolvendo o senador Iván Cepeda, do partido de oposição Polo Democrático Alternativo (PDA). Em 2014, Cepeda denunciou Uribe por conexões com paramilitares e narcotraficantes.

Depois de Uribe, a mais recente das prisões de ex-presidentes sul-americanos é de Abdalá Bucaram, investigado por corrupção e possível participação no assassinato de um criminoso israelense, Tomer Sheinman, preso em um esquema de compra irregular de remédios. O político havia anunciado a intenção de concorrer à Presidência nas eleições previstas para fevereiro de 2021.

A Procuradoria equatoriana investiga se Bucaram estava envolvido em tráfico de influências na compra e venda de medicamentos, uma vez que, em depoimento, o israelense teria incriminado Jacobo Bucaram, um dos filhos do ex-mandatário.

Outro ex-presidente equatoriano está na mira da Justiça. No mês passado, o Tribunal Nacional de Justiça equatoriano negou pedido de apelação de Rafael Correa e ratificou a sentença anterior que o condenou a oito anos de prisão por cobranças indevidas de empreiteiros para financiar campanhas eleitorais de seu movimento político entre 2012 e 2016.

Correa deixou o país logo após ter passado o cargo de presidente a Lenín Moreno e atualmente mora na Bélgica. Moreno rompeu com Correa em seguida e hoje impulsiona as ações contra o ex-padrinho político.

A mais polêmica das prisões de ex-presidentes, com grande repercussão internacional, foi de Luiz Inácio Lula da Silva, em 7 de abril de 2018. Processado na Operação Lava Jato por corrupção envolvendo um apartamento em Guarujá, no litoral paulista, Lula ficou detido na sede da Polícia Federal em Curitiba até o dia 8 de novembro de 2019. Ganhou liberdade após o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubar a prisão de condenados em segunda instância. A defesa do ex-presidente pede suspeição do ex-juiz Sergio Moro, que o condenou, e a anulação da sentença.

Lula não é o único ex-presidente brasileiro preso. Michel Temer, que assumiu a Presidência da República após o impeachment de Dilma Rousseff, foi levado à prisão por duas vezes. Em 21 de março do ano passado, Temer foi preso preventivamente por ordem do juiz federal Marcelo Bretas, do Rio de Janeiro, em um desdobramento da Lava Jato. Quatro dias depois, foi solto. No dia 9 de maio, voltou para a prisão em São Paulo, depois de o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) ter revogado habeas corpus concedido em março. Ganhou novamente liberdade, seis dias depois, por decisão da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ)

Na Argentina, o ex-presidente Carlos Menem foi condenado em 2019 a três anos e nove meses de prisão por fraude na venda de um imóvel. No entanto, Menem ocupa o cargo de senador e tem imunidade parlamentar.

A ficha de Menem na justiça é longa. O ex-presidente chegou a ser condenado a sete anos de prisão por contrabando de armas para a Croácia e o Equador entre 1991 e 1995. Em 2018, entretanto, a Justiça da Argentina o absolveu. A Câmara de Cassação Penal, que julgou o caso, considerou que foi superado o “prazo razoável” do processo, que se arrastou por duas décadas. A absolvição, portanto, não representa uma declaração de inocência.

Outra ex-presidente argentina, Cristina Kirchner, também está enroscada com a justiça. Cristina corria risco de ser detida por conta da investigação “dos cadernos da corrupção”, que analisa supostos subornos pela concessão de obras públicas orçadas em mais de 160 milhões de dólares durante o governo de seu falecido marido, Nestor Kirchner (2003-2007), e o seu, e que envolvem autoridades e empresários. Mas em fevereiro deste ano a justiça anulou a última ordem de prisão contra ela, que ainda é alvo de outros processos.

Por fim, um fato curioso sobre os ex-presidentes investigados por irregularidades. Se refere ao Paraguai. Em 2019, o juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal do Rio de Janeiro, emitiu uma ordem de prisão preventiva contra o ex-presidente paraguaio Horacio Cartes, envolvido em um caso de lavagem de dinheiro. Bretas também incluiu o nome de Cartes na lista vermelha da Interpol. Poucos dias depois, no entanto, o ministro Rogério Schietti Cruz, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), revogou o decreto de prisão por entender que a decisão de Bretas se baseou em “argumentação e narrativa genéricas”.

Célio Martins

Foto de perfil de Certas Palavras
Célio Martins é jornalista e escritor. Atuou em vários veículos de comunicação brasileiros, como Folha de S. Paulo, Folha de Londrina, O Estado do Paraná, Correio do Estado (MS), TV Iguaçu (SBT), Rede CNT e TV Campo Grande (SBT). Na Gazeta do Povo passou pelas editorias de Esportes, Curitiba, Paraná, Brasil, Mundo e foi editor da Primeira Página do jornal impresso. É autor e editor do blog Certas Palavras, com publicações nas áreas de política, meio ambiente, cultura e cotidiano. **Os textos do colunista não expressam, necessariamente, a opinião da Gazeta do Povo.

Leia mais em: https://www.gazetadopovo.com.br/vozes/certas-palavras/ex-presidentes-prisao/
Copyright © 2020, Gazeta do Povo. Todos os direitos reservados.

 

 

Fonte – Gazeta do Povo




Deixe seu comentário