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Artigos • 03 abr, 2020

A reação à crise está fora de controle (Marcos Lisboa)


Propor que quem não produz deve continuar a receber como antes e que quem trabalha, empresta e produz não deve ser pago pelos serviços prestados será a rota da nossa destruição

A grave crise que o mundo atravessa está forçando os países a adotar medidas excepcionais para enfrentar a pandemia e seus efeitos colaterais sobre o emprego e a economia. Alguns reagiram com coordenação e equilíbrio e retornarão à normalidade passada a pandemia. No Brasil, no entanto, a reação descontrolada ameaça deixar um rastro de destruição do qual será difícil nos recuperarmos.

Neste difícil momento, é preciso tanto agilidade quanto serenidade. A saúde e a proteção das famílias mais vulneráveis devem ser as nossas prioridades. Muitas medidas têm sido anunciadas para tratar dos problemas da população.

Nessas horas, surgem também muitos pedidos oportunistas que se valem da grave crise para obter benefícios. Todo o cuidado é pouco porque estamos hipotecando o nosso futuro. Todo recurso gasto hoje será cobrado nos próximos anos. Chegamos a esta crise com uma das maiores dívidas públicas entre todos os emergentes, o que quer dizer que sairemos ainda mais fragilizados. E essa dívida terá que ser paga por nós e nossos filhos. Não será fácil.

Estamos mais pobres; todos nós. Alguns, porém, demasiadamente expostos ao flagelo da falta de renda e de assistência. Esses devem ser a imediata preocupação das políticas emergenciais.

Empresas de todos os tamanhos estão assistindo a uma queda vertiginosa das suas receitas, enquanto suas despesas permanecem elevadas, a menos que demitam trabalhadores. Não queremos isso. Muitas terão prejuízos significativos nos próximos meses e vão ter que utilizar os seus recursos, se ainda os tiverem, para honrar as suas obrigações e sobreviver.

Cabe à política pública auxiliar as pequenas e médias empresas, que têm maior dificuldade em apresentar garantias para conseguir crédito, desde que preservem o emprego. É fundamental, por outro lado, remunerar ou pagar aquelas empresas que continuam a oferecer seus bens e serviços, apesar da adversidade.

Essas políticas devem, neste momento, ser financiadas com o aumento da dívida, que deverá começar a ser equacionada apenas após o fim da grave crise, com a volta da normalidade.

Devemos ter cuidado com as propostas mirabolantes, como se o poder da caneta resolvesse os problemas de todos. Vendem ilusões.

Deixar de pagar aluguéis pode parecer uma boa ideia. Mas e os proprietários que dependem dessa renda para sua sobrevivência? Não pagar contas de luz e telefonia parece fazer o bem para muitos. Mas o que ocorrerá se os fornecedores desses serviços entrarem em dificuldades insolúveis?

Permitir que alguns não paguem suas obrigações beneficia os favorecidos em detrimento dos seus fornecedores, que vão enfrentar dificuldades ainda maiores, afinal não estão sendo pagos pelos serviços já realizados. A cada um que deixa de pagar o que deve, corresponde outro que deixa de receber.

Liminares têm sido concedidas para empresas terem seus aluguéis reduzidos com a justificativa de “desequilíbrio financeiro na relação contratual”. Outras decisões judiciais determinam o fechamento de fábricas. Na ausência de coordenação das ações, o Judiciário opta por tomar medidas sem a avaliação técnica das suas justificativas ou das suas consequências.

Moratórias generalizadas autorizadas por leis ou decisões judiciais podem gerar reações em cadeia e comprometer permanentemente o mercado de crédito e a atividade econômica.

Propor que quem não produz deve continuar a receber como antes, e que quem trabalha, empresta e produz não deve ser pago pelos serviços prestados será a rota da nossa destruição.

Impor novas obrigações às empresas, como empréstimos compulsórios ou aumentos da tributação, é condenar muitas delas à falência e ao aumento do desemprego. Nenhum país dos 43 catalogados que enfrentaram essa crise aumentou impostos. E não o fizeram por boas razões. Nesta fase, cabe ao poder público auxiliar na preservação do setor privado, não o fragilizar ainda mais.

As medidas que adotarmos nesta difícil fase repercutirão por muitos anos. Se agirmos com irresponsabilidade, diremos àqueles que investem: vocês erraram ao fazê-lo.

É preciso lembrar que a crise passa. Mas, se destruirmos muitas de nossas empresas, haverá menos produção, emprego e renda quando a pandemia for controlada. Medidas oportunistas ou pouco refletidas a respeito de suas consequências trariam impactos permanentes sobre a confiança no país e as instituições econômicas. Sairíamos ainda mais pobres do que estamos agora.

Há muitos anos, crescemos pouco e muitas empresas já desistiram do nosso país em razão das muitas medidas oportunistas adotadas no passado.

É preciso cuidar do emprego agora e do emprego futuro. É preciso cuidar da renda agora e da renda futura. É preciso cuidar dos vulneráveis. E é preciso evitar o populismo que promete o paraíso e entrega a desolação.

O Brasil já desperdiçou demasiadamente seu passado com medidas oportunistas. Esta grave crise nos acomete em meio a muitas desavenças entre os Poderes. Devemos superá-las. Há dificuldades urgentes a serem enfrentadas. Insistir em disputas miúdas apenas nos levará ao fracasso como nação.

O país nos pede responsabilidade, serenidade, urgência e união. Precisamos atentar para as muitas necessidades do presente, assim como devemos cuidar do futuro.

Marcos Lisboa é presidente do Insper, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005) e doutor em economia.

*Publicado na Folha de S.Paulo




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