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Artigos • 25 dez, 2019

Uma criança dorme ( Célio H. Guimarães)


Que bom seria se a data de Natal servisse para acalmar as pessoas, desarmar os espíritos, desinflar os egos e despertar o pingo de humanidade que ainda existe dentro de nós! Nada mais de perversidade, de intriga, de disputa, de ganância e de mercantilização. Só fraternidade, alegria, paz e afeto. Como, aliás, é possível que tenha sido planejado, originalmente, o Natal.

Rubem Alves, o meu filósofo favorito, que teve formação protestante e chegou a pregar o evangelho, contava que, quando criança, lá no interior das Minas Gerais, a única coisa que invejava nos católicos eram os presépios que eles armavam no Natal. A cabaninha coberta de sapé, Maria, José, os pastores, as ovelhas, as vacas e os burrinhos, misturados com reis, anjos e estrelas, todos contemplando uma criancinha que acabara de nascer. “A contemplação de uma criancinha amansa o universo” – sustentava o mestre.

Rubem confessava que a cena mexia fundo com ele. Fazia acordar uma ausência na sua alma. Despertava uma tristeza mansa. Explicava: “O presépio me faz lembrar algo que tive e perdi. Essa ausência tem o nome de ‘saudade’. Mas eu não tenho saudade. É a saudade que me tem”.

Meu sentimento é semelhante. Há algo de mágico no presépio de Natal, sejamos nós religiosos ou não. A singeleza da cena vai muito além do que está a representar. Lá em casa, Cleonice arma todos os anos, debaixo de uma pequena árvore de Natal, um minúsculo presépio composto de figuras de barro moldadas por um artesão mineiro e adquiridas numa feira de artesanato de Paraty. São peças pequeninas, modestas, muito coloridas e bem brasileiras, que não ocupam espaço, a não ser dentro de nós. Mas nos fazem bem. Talvez exatamente por reacenderem na gente aquela estranha nostalgia de que nos falava o Rubem.

À medida que o tempo passa e se envelhece, datas como o Natal e a chegada de novo ano vão perdendo o significado e se tornando mais tristes. Não apenas porque com elas vem a lembrança doída de pessoas queridas que já não estão mais entre nós, mas porque viraram datas comerciais, de consumo desregrado, comemorações exageradas e nenhuma solidariedade. Como explicar, por exemplo, ao pequeno indigente, cujos olhos brilham diante das vitrines fartas de graciosas e multicoloridas ofertas, que Papai Noel existe, mas não deixará nenhum presente na casa dele?

É claro que não se pode negar a quem tem filhos pequenos ou netos e algum recurso o prazer de confraternizar com eles e ofertar-lhes presentes. É a regra e enquanto não for revogada deverá ser seguida. Eu mesmo fiz questão de entregar ontem alguns pacotes aos meus queridos Eduardo, Fernanda e Bernardo. Mas, ainda assim, como Rubem Alves, acho o presépio mais importante que todas as celebrações natalinas.

Dolores Duran já disse que não há nada mais comovente do que uma criança dormindo. E naquela choupana onde uma criança dorme sobre uma humilde manjedoura não há diferença de classes, de religiões ou de credos. Ademais, como acrescentava o Rubem, “uma criança adormecida não pede festas: pede silêncio, tranquilidade e amor”. Apenas isso.




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