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Crônica

Crônica • 19 fev, 2020

Folclore político: A bicicleta de João Batista


Homero Lacerda já era um empresário de sucesso. E João Batista, vigia de uma de suas empresas, a HSL, aqui no Recife. Os homens são muitos diferentes. Não só nas aparências. Há os com futuro e os sem passado. Os que só se importam com eles mesmos, e os que se importam com os outros Os que sabem que são culpados e os que não sabem que são inocentes. Os que mandam porque podem, como Homero; e os que obedecem porque têm juízo, como João Batista.

Corria o ano da graça de 1990. E Homero botou na cabeça que ia ser senador. Quase foi mesmo. O diga Marco Maciel, “mapa do Chile” -que ganhou a eleição mas, em troca, comeu do pão ázimo que o diabo amassou. A Lei Eleitoral exigia que o partido também tivesse candidato a governador -e acabou sobrando para o indigitado João Batista. Não tivemos o prazer de ver sua foto. Nem de ouvir sua voz. Por medo de que algum jornalista entrevistasse seu vigia, Homero o deportou para São Paulo -onde permaneceu, escondido, até o dia seguinte ao da eleição. Só depois voltando a Pernambuco e a sua vidinha de sempre.

Tudo parecia indicar que ninguém mais ouviria falar dele. E assim seria mesmo, não fosse a teimosia do radialista Geraldo Freire. Para quem Pernambuco tinha direito de ouvir a voz de quem quase foi seu governador. Oferecendo uma bicicleta a quem conduzisse o candidato até o rádio, para ser entrevistado. Complicado foi que, por ser grande a fuxicada (dado estar o coitado há tanto tempo longe de casa), sua mulher acabou tendo que contar o caso à vizinhança. Como se diz por aqui, “o caso eu conto / como o caso foi / porque homem é homem / e boi é boi”. E formou-se um tumulto, com a rua toda em sua porta.

João Batista acordou com o alvoroço. Vestiu-se apressado, pulou o muro por trás de casa e foi correndo até a Rádio Jornal do Commércio, aquela que acabou famosa pelo refrão “Pernambuco falando para o mundo”. Entrou afobado no estúdio e pronunciou as palavras com que ficou famoso, por aqui: “Bom dia, doutor Geraldo, eu sou João Batista, e quem trouxe mim foi mim mesmo, agora mim dê a bicicleta”.

“Fugit irreparabile tempus”, dizia Virgilio. Na eleição seguinte, Homero acabou vereador do Recife. E continua muito bem de vida, obrigado.

João Batista continua seu vigia. Para ele, nada mudou. Na última vez em que o vi, estava pedalando a bicicleta que ganhou na rádio, voltando para casa de manhãzinha, assobiando. Era um homem feliz.


JOSÉ PAULO CAVALCANTI FILHO

( Folha de São Paulo)




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