Todo mundo tem, na sua bagagem de memória ou no presente, coisas, pessoas, momentos que seria melhor não lembrar.

Hoje, no meio dessa tormentosa doença que se espalha sobre o mapa do mundo como um mal escuro e espesso, um grande animal que estende seu corpo e patas repulsivas sobre tudo e todos, eu mesma às vezes penso, ou digo: Nossa! Quero esquecer este horror todo, este medo, essas ameaças, esses sofrimentos, em milhares e milhões pelo mundo, ninguém sabendo direito, direito mesmo, do que se trata – e como se combate. Ainda por cima vendo que continuam corrupção, desvios, politicagens, interesses muito abaixo do interesse do povo, que somos nós, cada um de nós.

Muito ruim este tempo de pandemia. Cheio de insegurança, limitações, separações. Não consigo abraçar netas e netos, filha, filho, amigas. Não consigo nem o simples comer fora com marido ou alguma amiga, ou levar a família se houvesse algo a celebrar – coisas que sempre tanto me alegraram.

Mais que tudo, não consigo fechar coração, ouvidos, olhos, aos tormentos do mundo. Antes eram desinformação, fome, sujeira, abandono pela coisa pública. Agora, soma-se a tudo isso a chamada pandemia, que alguns ainda diminuem como histeria, ou manipulação de entidades mundiais querendo dominar o mundo. Quem haveria de querer o mundo pobre, doente, aflito, que estamos nos tornando, em parte porque nem todos querem aceitar restrições e tomar cuidado? O assunto de hoje está muito ruim, eu sei, batido, irritante. Eu também acho, quero de volta minha vida, aquela vidinha normal, de uma velhice em paz, com afetos bons, livros, amizades, paisagens bonitas e um certo sossego na alma.

Não tenho grandes esperanças. Nem adianta dizer que cansei, que quero mudar, quero apagar, quero esquecer. Estamos todos – não no mesmo barco, pois esse é diferente conforme pessoa, família, lugar, possibilidades –, mas estamos na mesma tempestade, que pode nos levar, agora, amanhã ou depois. Pior ainda, levar alguém muito amado. E certamente desconserta tudo o que a gente conhecia, o habitual, o tranquilo, o familiar.

Não tenho nem a luzinha de um “quando” a que a gente se agarre como criança em colo de mãe.

Para este momento, não tem mãe.

Fonte – Zero Hora – Porto Alegre