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Crônicas

Crônicas • 04 jun, 2022

O CHUVEIRO ( MARIO PRATA )


“Já estão clonando gente. As vacas ficaram loucas, já mando mail com imagem e som. Tudo evolui no mundo. Tudo, até o guarda-chuva. Menos o chuveiro. Não o chuveiro em si, mas a regulagem da temperatura. Não existirá ninguém no mundo preocupado com isso?

Na nossa casa, tudo bem. A gente conhece bem a torneira da direita e a da esquerda e, quase automaticamente, consegue que a temperatura da água fique como a gente quer.

Mas é ir tomar banho noutra casa que a coisa complica. Esquenta ou esfria. Nos hotéis, por exemplo, o problema é internacional e cada vez pior. Pode ter zero ou cinco estrelas. É sempre uma luta.

Primeiro, que não se colocam mais aquela bolinha vermelha ou azul para você começar as negociações. Vermelho é quente, azul é fria. Então você tem que ligar uma delas e ficar esperando que esquente. E o problema é que a gente nunca sabe quanto tempo demora para esquentar. Mas, digamos que não esquente. Você fecha aquela torneira e abre a outra. E fica esperando. Mais ou menos o tempo da primeira, e nada. Chega-se à conclusão de que a quente é a outra. A essa altura, os dois braços já estão molhados. De água fria, é claro.

Vai de sete a nove minutos para você descobrir qual é a quente, depois de umas quatro tentativas. Agora começa o problema maior. Regular as duas. Tá pelando, você abre a fria (a da direita, não vá se esquecer). Aí fica tudo muito frio. Você diminui uma, aumenta um pouco a outra, chega no ponto, já com as duas pernas molhadas, de água fervendo. Aí você entra, começa o banho.

De repente, a coisa começa a esquentar, esquentar e você tem que sair dali debaixo. Está pelando (do verbo pelar, tirar a pele). Olha para as duas torneiras. Qual mesmo que é a fria? Nunca mais acerta. O melhor é desligar as duas até o fim e começar toda a operação. Consegue, de novo, depois de muita luta, o corpo todo já molhado, mas fora do jato. Aí vem uma onda fria (da Argentina?) e gela tudo. Qual é mesmo a quente?

Depois de 20 minutos onde – aparentemente – a água está no seu ponto, você nota que o jato está vindo muito grosso, levanta o braço para rosquear lá em cima, para a coisa ficar mais aberta. Aí abre demais, passando ao largo da sua cabeça pegando, no máximo, a ponta dos dedos, se os braços abertos estiverem. Aí, já com as duas mãos, você torce a coisa para o outro lado. É quando para tudo e começa a sair tudo pelo chuveirinho que fica serpentando pelo box, feito uma cobra. E, inexplicavelmente, a água volta a ferver.

Nesse momento, geralmente, você está com a cabeça toda ensaboada.

A única vantagem de tomar banho em hotel é que ninguém está vendo a sua inglória luta. Sim, porque chuveiro de hotel humilha qualquer um. A impressão que eu tenho é que quando você consegue regular a coisa, um cidadão resolve tomar banho num outro apartamento e, dependendo da quente ou da fria que ele use, desregula o hotel inteiro. Então temos que considerar isso também. Vou deixar de uma maneira tal que se aquele gringo do 1.086 for tomar banho só frio lá em cima, vou perder só dois graus aqui embaixo.

Dentro de pouco tempo você está fazendo contas mirabolantes, considerando os 800 quartos do hotel. Todos, claro, tentando regular o deles e, consequentemente, desregulando a sua vida.

São bobagens como esta que a gente fica pensando quando faz 55 anos e se pergunta: preciso esquentar ou esfriar a minha vida? Mas como fazer isso, sem depender das outras pessoas? Se todo mundo está regulando em cima de você e você nem sabe mais se o bom é pela esquerda ou pela direita?

Ou seja, estamos todos nas mãos dos encanadores. Estamos sempre entrando pelo cano.

É uma fria ou não é?”

Escritor Mario Prata – O Estado de São Paulo




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