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Política

Política • 28 fev, 2019

É mentira, verdade? ( Marcelo Tognozzi)


Vivemos a era de ouro da desinformação

Uma boa versão vale por muitas verdades

Segundo Marcelo Tognozzi,  Trumpo venceu a eleição dos EUA porque “mentiu mais” que Hillary Clinton

Se você é alguém que se emociona, compartilha e comenta nas redes sociais notícias, posts e memes sobre política, corrupção, religião, gênero ou o que se convencionou chamar de luta entre o bem e o mal, tome cuidado. Sem querer pode estar ajudando grupos dedicadas a manipular, distorcer ou deformar fatos e versões.

a era de ouro da desinformação, a sofisticação máxima da manipulação de corações e mentes pelos meios digitais. O primeiro a identificar manipuladores e manipulados pelos nomes foi o jornalista alemão Udo Ulfkotte em seu livro “Jornalistas Comprados” lançado em 2014.

Narra em detalhes como os serviços de informação de diversos países compravam jornalistas alemães para transformar meias-verdades e mentiras em notícias no papel de mercenários de uma guerra suja.

O livro de Ulfkotte sumiu das livrarias e até da Amazon. Apenas a versão em alemão está disponível. Em janeiro de 2017 o jornalista de 56 anos morreu aparentemente de um ataque cardíaco. Seu colega Jonas Schneider resolveu investigar e concluiu que ele havia sido assassinado.

Udo Ulfkotte denunciou pela 1ª vez, e com provas, a guerra de versões ou de narrativas que passou a contaminar os veículos de comunicação, as redes sociais e todo o ambiente digital. Seu caso é detalhado no livro “Como se Domina o Mundo”, do coronel espanhol Pedro Baños, lançado no ano passado e ainda disponível na Amazon.

Há 2 meses o espírito de Ulfkotte baixou na redação da Der Spiegel, principal revista alemã, para assombrar o premiado repórter Claas Relotius, 33 anos. Relotius era na realidade um mentiroso profissional, desmascarado por outro repórter, o hispano-alemão Juan Moreno.

Demorou para que a revista acreditasse em Moreno, reconhecesse o erro, demitisse o mentiroso e pedisse desculpas públicas. Ainda não se sabe se as versões de Relotius eram má fé, manipulação ou as duas coisas.

Quinze anos antes o The New York Times viveu situação parecida quando seus editores descobriram a compulsão do repórter Jayson Blair pela mentira. Nos 2 casos, os mentirosos enganaram não apenas os leitores, mas todo um controle de qualidade e especialmente alguns semideuses do jornalismo empoleirados nestes veículos, muitos dos quais seguem impassíveis como se o esgoto não houvesse contaminado seu Olimpo.

Os políticos também são profissionais do ramo da mentira e da manipulação. Donald Trump e Hillary Clinton disputaram uma eleição em que ambos mentiram e o vencedor levou porque soube mentir mais e melhor.

A mentira respaldou a intervenção russa na Crimeia em 2014, criou um falso separatismo na Catalunha em 2017 e contaminou as eleições de 2018 num Brasil onde o Mensalão e a Lava-Jato mandaram políticos de esquerda, direita e centro para a cadeia e gigantes do capitalismo tupiniquim para o inferno.

A fronteira entre a mentira e a verdade mistura hábitos e necessidades. Uns mentem para ganhar dinheiro, outros para ganhar poder, poucos para ter os 2 e muitos para sobreviver. Vivemos a era da mentira, na qual as pessoas se acostumaram a levar a sério e até teorizar sobre hipocrisias rotuladas de “pós-verdade”, “fake news”, “narrativa” ou “inverdades”.

Desde sempre a mentira é parte integrante do ser humano, uma espécie capaz de conquistar muito mais coisas mentindo do que dizendo a verdade. Ninguém jamais venceu uma guerra falando a verdade; muito menos uma eleição. Padres e pastores mentem descaradamente, transformam o negócio da fé em lucro, poder e influência.

Há milênios a disputa por fiéis e poder é antes e tudo uma guerra de narrativas. Mente a propaganda, mentem os governos, empresários, médicos, curandeiros, sábios e idiotas.

Outro dia um ilustre membro do Judiciário da Espanha reconheceu a eminente derrota do Estado na guerra de narrativas durante o julgamento, ainda em curso, em que políticos da Catalunha respondem a acusações de rebelião: “Plantam notícias falsas sobre a vida privada e profissional de juízes deste processo dentro e fora da Espanha, com o único objetivo de desestabilizar psicologicamente os magistrados. E estão conseguindo”, disse.

Esse jurista ficaria estarrecido se soubesse que, pouco antes de tomar posse, o presidente da Suprema Corte do Brasil, Antonio Dias Toffoli, teve seu sigilo bancário quebrado e escancarado na imprensa.

Em seguida, o mesmo tipo de ataque foi desferido contra o ministro Gilmar Mendes, cujo sigilo fiscal, requintadamente deflorado, acabou exposto sem o questionamento ético sobre o fato de veículos de comunicação serem usados numa guerra de narrativas na qual o principal objetivo é –e sempre será– manipular a opinião pública. Certamente os leitores ficariam eternamente gratos se notícia e transparência andassem de mãos dadas.

Independente da conduta pregressa ou íntima de qualquer membro do Judiciário, é um sintoma terrível quando a vida financeira privada de 2 ministros do STF é exposta sem pudor, ao mesmo tempo em que permanecem em total e confortável anonimato os que violaram seus sigilos legalmente protegidos.

Na Espanha, situação semelhante aconteceu com o vazamento de grampos feitos pelo ex-delegado de polícia José Manuel Villarejo, nos quais aparecem o Rei Juan Carlos I, banqueiros, ministros e políticos de vários partidos.

Se a sociedade começar a entender isso como normal, ninguém se incomodará quando começarem a revolver as entranhas fiscais e pessoais de jornalistas, advogados, caseiros, motoristas ou quem quer que seja, como aconteceu recentemente com o casal Jair e Michele Bolsonaro no caso do vazamento de um relatório do Coaf (Centro de Controle de Atividades Financeiras) sem sequer figurarem entre os investigados.

Ou no episódio da quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa, perseguido pelo ex-ministro Antonio Palocci.

Verdade ou mentira? Depende da versão ou da quantidade de robôs encarregados de difundir esta versão nas redes. Uma meia-verdade é uma mentira? Uma meia-mentira tem um pouco de verdade? Na guerra de narrativas tanto faz. Nelas está inoculado o vírus do entretenimento, capaz de reter a atenção das pessoas e, principalmente, estimular que compartilhem, comentem e exibam seus sentimentos.

É a mais moderna e ao mesmo tempo a mais antiga das guerras, como ensinou Sun Tzu em seu clássico “A Arte da Guerra” ao se referir às técnicas de abater o inimigo sem armas e sem exército, apenas disseminando medo e danos psicológicos.

Acabou a lógica segundo a qual contra fatos não há argumentos. Todos os dias temos notícias publicadas na mídia e nas redes sociais baseadas não em fatos, mas em versões. Uma boa versão tem valido por muitas verdades, como acontece todos os dias na política, na economia, na imprensa e também numa Justiça capaz de valorizar mais o depoimento que a prova, especialmente se isso pode render uma boa manchete numa cumplicidade de narrativa envolvendo fonte e repórter.

Virou fenômeno mundial; não é privilégio do Brasil. Acontece nos Estados Unidos (Bill Clinton, Bush e Trump já experimentaram), Rússia, Alemanha, Itália, Argentina, Inglaterra, México, países árabes e Ásia, numa verdadeira epidemia de intoxicação da sociedade global por narrativas repletas de desinformação.

E seus resultados são fruto de uma ação estratégica utilizada em larga escala tanto pelos serviços de inteligência militares e civis, quanto pelos grupos que disputam poder dentro de instituições como a Justiça, o Legislativo ou o Executivo, todos em campanha permanente pela hegemonia da sua versão. E assim, num dia a verdade é mentira. Noutro, a mentira é verdade.

Fonte – Site Poder 360




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