Não se mede o significado da perda de alguém pelo que ele fez na sua vida, mas pela falta que fará na dos seus amados. Mateus Bruxel /

Como consolar exige uma interação afetiva e temporal de sentimentos, e a empatia, que sempre foi escassa, nos últimos tempos encolheu, tudo passou a contribuir para fazer do consolo, como gesto humanitário, um grande desafio de sensibilidade.

Grande parte do problema decorre da independência de sentimentos. O solidário na dor fala pouco, abraça muito, se comunica com o coração e tudo soa verdadeiro. Quem está apenas cumprindo a agenda da formalidade, não consegue parar de falar, e como, de fato, não tem o que dizer, se socorre do instrumento mais pobre da linguagem oral: a frase feita.

A frase mais ouvida, “tenha força!”, não faz o menor sentido, porque estar muito triste não tem a ver com sentir-se fraco .

Esta é a maior tortura para o consolado e uma angústia para o consolador, que sempre termina a arenga com a sensação de alívio pelo fim da provação. A frase mais ouvida, “Tenha força!”, não faz o menor sentido, porque estar muito triste não tem nada a ver com sentir-se fraco.

Alguns, percebendo que a tristeza é o problema, resolvem distrair o sofredor, contando histórias divertidas, presumivelmente vividas com o morto, e se sentem estimulados a acrescentar graça e proeza ao relato, porque a única testemunha possível não volta para confirmar.  Nem a cara de desconfiança do filho, como a dizer “se isso tivesse ocorrido, eu saberia”, consegue frear o falastrão, determinado a demonstrar, com ares de homenagem, que “um tipo com esta esperteza e coragem não enterramos todos os dias”.

Um grupo especial é representado pelos mortos idosos, em que há uma tendência irrefreável de usar como consolo o argumento de que “afinal ele teve uma vida longa e feliz”. Impossível saber quem deu início a este coronavírus da idiotice. Sem querer ofender o vírus, a referência é por conta da rapidez comparável da propagação.

Ignoram, os rígidos de afeto, que não se mede o significado da perda de alguém pelo que ele fez na sua vida, mas pela falta que fará na dos seus amados.

Mas esta percepção é uma exclusividade de quem amou e perdeu. Menos mal que enquanto os que amam com os olhos podem esquecer, os que amam com o coração, não.

J. J. Camargo

Por J.J.Camargo – (médico) – Fonte – Zero Hora – RS