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Justiça

Justiça, Política • 27 ago, 2018

A Justiça ignora a crise


São preciosos, do ponto de vista humanitário, os argumentos da ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Regina Helena Costa para sustentar o voto com o qual balizou a decisão da Primeira Seção daquela Corte de estender o adicional de 25% ao benefício previdenciário recebido por todo aposentado que necessitar permanentemente da assistência de um cuidador. A situação de vulnerabilidade e necessidade de auxílio permanente pode acontecer com qualquer segurado do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), disse a ministra, que completou: “Não podemos deixar essas pessoas sem amparo”. Seus argumentos convenceram outros quatro integrantes da Primeira Seção do STJ, pois a extensão do benefício foi aprovada por cinco votos a quatro.

Essa decisão, que se refere a um pedido de uniformização de interpretação de lei apresentado pelo INSS, se aplicará aos 769 processos de teor semelhante que tramitam na Justiça. Outros interessados terão de recorrer à Justiça para se beneficiar dela. Segundo algumas interpretações, cabe recurso contra ela ao Supremo Tribunal Federal (STF).

A despeito das compreensíveis razões humanitárias invocadas pela ministra do STJ para sustentá-la, a decisão contém, de fato, pontos altamente questionáveis. Em resumo, ela cria um benefício previdenciário, o que só pode ser feito por meio de mudança da legislação – tarefa de exclusiva competência do Poder Legislativo – e desobedece a outras disposições em vigor, inclusive constitucionais, ao impor ao Executivo um aumento de despesa sem a devida indicação da respectiva fonte de receita.

O pagamento de adicional de 25% para o aposentado que necessita de assistência permanente de outra pessoa é previsto no art. 45 da Lei n.º 8.213, de 24 de julho de 2011, mas devido apenas ao aposentado por invalidez. As situações em que esse tipo de aposentadoria é concedido estão claramente definidas na legislação. Desde a sanção dessa lei, no entanto, ações pedindo a extensão do pagamento adicional para outros casos têm sido propostas.

Já houve decisão do próprio STJ contra esses pedidos. Em maio de 2016, a Segunda Turma do STJ aceitou recurso do INSS questionando sentença favorável à extensão do adicional a uma aposentadoria concedida por idade, e não por invalidez, como exige a lei. Os argumentos do relator do recurso, ministro Mauro Campbell Marques, para acatá-lo eram sólidos e continuam inteiramente válidos, embora a ministra Regina Helena Costa e a maioria da Primeira Seção não os tenham levado em conta.

Campbell Marques foi enfático ao afirmar que o adicional de 25% é restrito à aposentadoria por invalidez, por explícita vontade do legislador, pois o assunto está tratado na parte da Lei 8.213 que trata exclusivamente da aposentadoria por invalidez. Além disso, acrescentou, não se pode deixar de atentar para a norma contida no parágrafo 5.º do artigo 195 da Constituição, que diz: “Nenhum benefício ou serviço de seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total”. Ou seja, benefícios não podem ser criados ou estendidos sem que seja apontada a fonte para a cobertura das novas despesas.

Além disso, o ministro do STJ observou que a previdência social está organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, “observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial”. Assim, em sua opinião, “deve prevalecer o princípio da contrapartida, sob pena de comprometer o equilíbrio atuarial e financeiro do regime”.

É sabido por todos os que acompanham os problemas fiscais do País – como os integrantes dos tribunais superiores – que a Previdência se tornou grave ameaça ao equilíbrio das finanças públicas. Só no primeiro trimestre deste ano, seu déficit alcançou mais de R$ 90 bilhões, com aumento de cerca de 10% sobre o resultado do ano anterior. Sem reforma, sua falência é questão de tempo. Sentenças judiciais que aumentam seus gastos sem a respectiva receita a antecipam.




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