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Brasil • 10 mar, 2018

Delfim Netto, de czar econômico da ditadura a alvo da Lava Jato


Protagonista tanto do esplendor quanto da derrocada econômica do regime militar, ex-ministro se reinventou após redemocratização como conselheiro de governos petistas – uma associação que levou a acusações de corrupção.

Delfim Netto entrou na mira da Lava Jato no âmbito das investigações sobre fraudes na construção de Belo Monte

Após encurralar petistas e emedebistas que dominaram a cena política do Brasil nas últimas décadas, a Operação Lava Jato mirou em uma das figuras mais influentes do antigo regime militar brasileiro (1964-1985): o ex-ministro e economista Delfim Netto. Nesta sexta-feira (09/03), agentes da Polícia Federal vasculharam a casa do ex-ministro de 89 anos no âmbito das investigações sobre fraudes na construção da usina de Belo Monte.

Com uma longa trajetória pública, que se estende por mais de cinco décadas, Delfim é uma síntese de como algumas antigas figuras da ditadura se adaptaram à redemocratização e mantiveram sua influência – no seu caso, até mesmo pela ajuda de antigos adversários do antigo regime.

Um camaleão e sobrevivente político, Delfim é tanto o antigo ministro da Fazenda que deu aval para o infame Ato Institucional n°5 (AI-5) da ditadura – que suspendeu direitos políticos e fechou o Congresso – quanto um apoiador da candidatura do esquerdista Lula em 2002. Ex-ministro de quatro diferentes governos militares (Costa e Silva, Junta Militar de 1969, Médici e Figueiredo), Delfim chegou até mesmo a ser cogitado para assumir algum cargo como ministro de Lula nos anos 2000.

Como czar econômico da ditadura, foi tanto o executor do “milagre econômico”, o qual resultou nos anos 60 e 70 em altas taxas de crescimento que nunca mais seriam repetidas, quanto o protagonista da ruína econômica que se abateu sobre o Brasil nos anos 1980.

Durante o governo Dilma Rousseff, assessorou informalmente a petista, uma antiga vítima de tortura do regime, ao mesmo tempo em que declarava em entrevistas que não se arrependia pelo seu papel no AI-5 e dizia não saber nada sobre torturas na ditadura.

O czar do milagre

Um workaholic dotado de intensa curiosidade intelectual – sua biblioteca, doada para a USP contém espantosos 250 mil volumes –, Delfim foi convidado em 1967 pelo presidente Arthur da Costa e Silva para assumir o Ministério da Fazenda. Tinha 38 anos. Logo no início, nomeou o amigo Paulo Maluf para presidir a Caixa Econômica Federal e passou a sabotar outros ministros para concentrar poder.

Como comandante supremo da economia do regime, adotou a política de aumento de gastos públicos e incentivou empresas estrangeiras a investir. Reduziu juros e ampliou o crédito. As medidas e uma ajuda da conjuntura mundial resultaram no “milagre econômico”. Entre 1968 e 1973, o país cresceu cerca de 10% ao ano – em 1973, o crescimento do PIB chegaria a 14%. A inflação também caiu.

Por outro lado, a desigualdade saltou, e os indicadores sociais não melhoraram. Dessa época, foi atribuída a Delfim a famosa frase de que “era preciso crescer o bolo para depois reparti-lo”. O ex-ministro nega que tenha dito isso.

Sua associação com o regime não se limitou à economia. No governo Costa e Silva, como um dos membros do Conselho de Segurança Nacional, deu seu aval para a decretação do AI-5. Durante a reunião que resultou na medida, Delfim chegou a afirmar para Costa e Silva que o “ato não era suficiente”.

Em 2013, em depoimento à Comissão da Verdade, declarou que não se arrependia da decisão, ao mesmo tempo que explicitou sua capacidade de se adaptar.

“Se as condições fossem as mesmas e o futuro não fosse opaco, eu repetiria. Eu não só assinei o Ato Institucional como assinei a Constituição de 1988”, disse.

Segundo o historiador Luiz Felipe de Alencastro, o papel de Delfim “foi crucial” para a aprovação da medida. “Foi Delfim Netto que trouxe a um Costa e Silva ainda hesitante a garantia de que o AI-5 não encontraria oposição entre o empresariado”, disse.

Sobre a tortura do regime, Delfim disse seguidas vezes que nunca ouviu nada sobre abusos, mesmo ocupando um cargo de destaque no regime. “Uma vez perguntei ao presidente Médici se havia tortura. Ele me disse que não. Nós ouvimos, como todos, coisas aqui e ali. Acreditei nele. Confiei porque era um sujeito correto, decente”, disse ao jornal O Globo em 2014.

Segundo o jornalista Elio Gaspari, Delfim também pediu contribuições de empresários paulistas durante um encontro para ajudar a financiar a Operação Bandeirante (Oban), um aparelho de repressão montado pelo Exército e responsável por torturas. O ex-ministro sempre negou ter pedido caixinhas para a Oban.

Comandante da derrocada

Nem todos os militares gostavam de Delfim. O sucessor de Médici, Ernesto Geisel (1974-1979), não renovou o protagonismo de Delfim no comando da economia. Em vez disso, o enviou para um exílio dourado como embaixador em Paris. Geisel também sabotou as pretensões de Delfim de assumir o governo de São Paulo.

O período em Paris também resultaria em um dos primeiros casos de suspeita de corrupção envolvendo o ex-ministro. Um adido militar da embaixada acusou Delfim de receber 6 milhões de dólares em propina de um banco francês que financiou a construção da usina de Tucuruí, uma das obras faraônicas do regime. Investigações nunca avançaram e Delfim atribuiu a acusação à intriga de adversários.

Delfim só voltaria a recuperar o protagonismo no governo do general Figueiredo (1979-1985). Inicialmente, ocupou o cargo de ministro da Agricultura, mas poucos meses depois passou para o Planejamento. O cenário, no entanto, não poderia ser mais diferente daquele de 1974. O milagre havia chegado ao fim após o aumento do petróleo na década de 70 e a retração do crédito. O empresariado paulista reagiu à nomeação de Delfim com euforia, como se ele fosse criar um novo boom econômico.

Mas, dessa vez, ele não seria o czar do milagre, mas o comandante da bancarrota. Uma de suas primeiras medidas foi desvalorizar a moeda em 30% (para incentivar exportações) e alterar padrões de correção monetária e variação cambial.

Em 1980, o PIB teve expansão de 9,2%. Pareciam sinais de um novo milagre. Só que em 1981 houve retração de -4,39% e a inflação saiu do controle. A catástrofe econômica iria detonar o que ainda restava da credibilidade do regime militar. Delfim passou a ser uma das figuras mais impopulares do governo. Com a censura extinta, jornais pediram sua cabeça. Ainda assim, ficou no cargo até o fim do regime.

Nessa época, seu nome também foi envolvido no escândalo Coroa-Brastel, relativo a financiamentos ilegais da Caixa. Em 1988, quando Delfim já era deputado federal, o então procurador-geral da República Sepúlveda Pertence (hoje advogado de Lula) denunciou o ex-ministro pelo caso, mas as acusações foram barradas quando a Câmara negou autorização para investigá-lo.

Aproximação com os petistas

Com a redemocratização, Delfim se reinventou como deputado federal e abriu uma firma de consultoria. Deu conselhos para os governos de Collor e Itamar, mas não teve boa relação com Fernando Henrique Cardoso. A equipe econômica pró-mercado do tucano também não simpatizava com o estilo interventor de Delfim na ditadura.

O antigo czar só voltaria a transitar pelo palácio do Planalto a partir do governo Lula (2003-2010) e Dilma (2011-2016), que compartilhavam da visão desenvolvimentista que Delfim aplicou na ditadura.

Já sem mandato na Câmara, recebeu de Lula cargos no conselho curador da EBC e no Ipea. Em 2006, Lula disse “passei vinte e poucos anos criticando o Delfim e hoje sou amigo dele”.

Lula chegou a cogitar nomear Delfim para algum cargo ministerial, mas a associação do economista com a ditadura foi mal vista por alguns petistas. Ainda assim, Delfim se manteve próximo da equipe econômica de Lula e cobriu de elogios o petista. Em 2009, disse que “Lula salvou o capitalismo brasileiro”.

Segundo a Lava Jato, foi aí que começou a se originar a semente do caso de corrupção que resultou na operação desta sexta-feira. Delfim se aproximou especialmente do ministro Antonio Palocci, que o consultava frequentemente. A associação, no entanto, não se limitou a conselhos.

De acordo com investigadores, Palocci foi um “porta-voz” de pedidos de propina ao PT e PMDB na construção de Belo Monte e teria solicitado ainda que Delfim, que atuou como consultor do consórcio vencedor da obra, recebesse uma parte: 15 milhões de reais. Sua defesa nega as acusações.

Quando se tornou alvo da operação desta sexta-feira, Delfim já havia acumulado outra função na sua trajetória camaleônica. Apesar de ter atuado como conselheiro de Dilma e ter sido contra o processo de impeachment da petista, assumiu o papel de conselheiro do presidente Michel Temer.

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