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Política

Política • 27 maio, 2018

O sistema de distribuição do imposto prejudica cidades


“Para que volte a melhorar a estrutura dos municípios é necessário que a economia volte a crescer ainda mais. Mas o pior momento, acredito que já passou

 

Prefeitos de todo o Brasil realizaram na semana passada mais uma “Marcha a Brasília, em busca de socorro financeiro às prefeituras. Um dos participantes dessa caravana foi o prefeito de Bataguassu, Pedro Caravina, que também é presidente da Assomasul – Associação dos Municípios de Mato Grosso do Sul.

Segundo Caravina, entre os destaques, foram mencionadas na reunião do Conselho as proposições que tratam do aumento do FPM (Fundo de Participação dos Municípios) em 1% no mês de setembro, atualização dos programas federais, Lei Kandir, Consórcios, RPPS (Regimes Próprios de Previdência Social), e o reajuste do piso do magistério e dos precatórios.

O presidente da Assomasul informa que as pautas junto ao Poder Executivo, com 13 itens prioritários, também foram debatidas. Segundo ele, no Judiciário, a campanha realizada pela CNM para a votação imediata da ação referente aos recursos dos royalties do petróleo pelo STF (Supremo Tribunal Federal) foi destaque.

Pedro Caravina concedeu entrevista e comentou sobre o momento atual das prefeituras.

A Crítica – Depois de um terremoto nas contas das prefeituras, hoje a situação se estabilizou?

Pedro Caravina – Não vou dizer que estabilizou, mas a economia brasileira apresenta sinais de recuperação. Os números estão um pouco superiores aos do ano passado com um leve crescimento em relação a 2017, pegando um plano geral dos municípios um repasse maior em torno de 7%. Então, a economia está mostrando certo crescimento e logicamente isso reflete nas contas públicas dos municípios. Não vamos dizer que passou todo o terremoto, precisamos crescer mais, porque as despesas ainda são correntes. Todos os municípios seguraram gastos e defasou ainda mais nesse período de crise a questão dos salários dos servidores. Então, para que volte a melhorar a estrutura dos municípios é necessário que a economia volte a crescer ainda mais. Mas o pior momento, acredito que já passou.

A Crítica – Essa marcha específica a Brasília vai buscar mais investimentos e verbas?

Pedro Caravina – Especificamente, a Marcha vai exigir a aprovação de alguns projetos que interessam aos municípios. Nós temos um projeto tramitando de aumento de mais de 1% do FPM – Fundo Participação dos Municípios – para o mês de agosto de cada ano e vamos em busca da aprovação. Temos algumas coisas que ainda estão travadas, por exemplo, a lei do ISS (Imposto Sobre Serviços) dos cartões de crédito, do leasing, que foi suspensa no STF e levamos o pedido a presidente Cármen Lúcia para que essa liminar caia e os municípios possam começar a receber os recursos desse ISS. Mas que passem a receber nas cidades onde são feitas as operações e não como querem as grandes empresas de cartões, na sede das operadoras.
Temos alguns outros projetos de interesse dos municípios relacionados a resíduos sólidos, ou seja, várias propostas que são de interesse dos municípios e a Marcha cobrou dos parlamentares do Governo Federal essas melhorias. Essas melhorias envolvem projetos que criam dificuldades para a municipalidade na questão dos gastos com a educação, na obrigatoriedade de um reajuste maior para o piso dos professores e que acaba fazendo com que os municípios tenham de suportar esse reajuste. São várias pautas que estão em andamento no Congresso e no Governo e o momento da Marcha foi de cobrar aquilo que for bom para o município.

A Crítica – Uma das discussões das prefeituras refere-se ao repasse de verbas, tanto dos governos estaduais como federal. O sistema atual é o ideal ou pode ser modificado?

Pedro Caravina – Na verdade o sistema é perverso, cruel para os municípios. Isso é a grande luta, resumindo é tudo que os municípios estão pleiteando. E o que nós queríamos era não ter que pleitear, ou seja, não ter que ir com o pires na mão todas as vezes em Brasília, como os prefeitos fazem constantemente indo em busca de emendas parlamentares para as áreas de saúde, educação, tentando propostas voluntárias. Na verdade, o pacto federativo é que tinha de ser alterado. Hoje, 60% do que se arrecada fica para o Governo Federal, com a União, outros 23% ficam para os Estados e 17% com os municípios. Então, ficam 17% do bolo da receita para dividir com 5.570 municípios. Para a melhoria das pessoas, pois elas moram nos municípios, o ideal seria aumentar essa alíquota destinada aos municípios. É a mudança desse pacto federativo, essa é a busca incansável das associações, da Confederação Nacional dos Municípios. Assim, evitar que o dinheiro fique concentrado em Brasília, num sistema parecido como era na Monarquia – centralizava tudo na mão da Coroa. O Brasil, por ter sido por muito tempo administrado sob influência do governo de Portugal, trouxe isso para os dias atuais ainda. Na verdade, os municípios onde moram as pessoas são dependentes do Governo Federal nesse repasse. Se aumentasse a alíquota de repasse aos municípios, deixaria os próprios prefeitos ou as Câmaras de Vereadores aplicarem os recursos naquilo que for prioritário. De repente, em um município é a saúde que precisa de mais recurso, a educação, o transporte, a mobilidade, infraestrutura. Deixar para que os gestores municipais com os vereadores apliquem o dinheiro para as pessoas. Hoje, isso não acontece, fica tudo centralizado em Brasília e os prefeitos têm de ir às Marchas, como fomos agora, ‘implorar’ 1% ou mais recursos. Então, o pacto federativo, o sistema de distribuição do valor que é arrecadado de imposto no Brasil hoje é prejudicial aos prefeitos e municípios.

A Crítica – Atualmente, os prefeitos têm administrado os municípios na corda bamba?

Pedro Caravina – Com certeza, praticamente não existe dinheiro para investimento. Aquele prefeito que consegue reduzir o gasto da máquina, diminuir cargo comissionado, gastar menos, consegue pagar as contas. Pagar o salário em dia, honrar seus compromissos com fornecedores. Agora, dizer que um prefeito hoje tem sobra de dinheiro para fazer um investimento, obras de infraestrutura para melhorias, construções de creches, ampliação de escola, não tem esse dinheiro. Fica dependente do Governo do Estado, principalmente nas obras de infraestrutura, como pavimentação, recapeamento, ou emendas parlamentares. Volto a repetir: isso não é o ideal. O ideal é que exista a verdadeira autonomia administrativa. Os entes públicos são autônomos, os municípios, o Estado e a União, cada um com sua autonomia. Na verdade, é uma autonomia – capacidade de governar com seus próprios meios – fictícia, porque financeiramente não existe. Isso, porque os impostos municipais não são suficientes para atender à demanda. Na maioria das vezes, os municípios têm um IPTU pequeno e também não pode aumentar, porque vai arrochar a população, que já não aguenta pagar tanto imposto, e acaba ficando dependente dos recursos federais.

A Crítica – Em sua visão, como prefeito e presidente da associação, o que é necessário para uma boa administração municipal?

Pedro Caravina – Hoje, o gestor não pode mais trabalhar com a imagem de quem tem de atender todo mundo, mas não pode dizer não. O segredo do fracasso é querer atender a todos, você tem que trabalhar para a maioria, fazer uma gestão enxuta com austeridade, honestidade, transparência. Reduzir cargos comissionados, como fizemos em Bataguassu desde o início, reduzir as despesas com a máquina pública e poder ter dinheiro para investimentos. O princípio de tudo é transparência, honestidade, principalmente respeito com o dinheiro público, nas compras, naquilo que você vai gastar, trabalhar com responsabilidade para que o recurso, que já é escasso, possa render. Essa é a forma que utilizamos aqui em Bataguassu.

A Crítica – O gestor municipal tem a seu lado ferramentas certas para investimentos?

Pedro Caravina – Tem muito a ser mudado na legislação porque atrapalha. Temos um projeto em tramitação sobre a Lei de Licitações, a atual é de 1993 e já tem 25 anos, tem muita coisa defasada. Ela foi feita com alguns conceitos que hoje não se justificam mais. Na ânsia de evitar o desvio do dinheiro público e a corrupção, a lei trava e atrapalha os bons gestores, e ainda, deixa margem para a corrupção. Mas dá para se fazer uma boa administração aplicando os conceitos que falei anteriormente. A gestão pública tem que trazer alguns conceitos da gestão privada, tratar as pessoas de forma igualitária, sem privilégios. Cobrar o resultado, em que na administração privada é o lucro e na pública vem em forma de melhoria para a população. Mas se tivesse uma parte maior dos recursos destinada aos municípios, tenho certeza de que os bons prefeitos, aqueles homens bem intencionados, que são muitos, teriam condições de prestar um serviço melhor para a população.

A Crítica – De que maneira a sociedade local pode e deve contribuir para as melhorias em sua cidade?

Pedro Caravina – Primeiro encampar essa visão municipalista, pois as pessoas moram nas cidades. As grandes mudanças que o Brasil sofreu vieram da mobilização popular. Então, a sociedade precisa entender e nós prefeitos precisamos divulgar mais, que os recursos não chegam na ponta. E se esses recursos chegassem aos municípios, as pessoas teriam mais facilidade de cobrar e apontar os investimentos que querem. A sociedade tem de apoiar, fiscalizar, cobrar, mas também lutar para que esses recursos fiquem nos municípios para serem revertidos em melhorias. O bom gestor não pode ter medo de crítica, mesmo porque muitas vezes ele não tem como ver tudo o que acontece e você tem de trazer para sua administração os anseios da sua população. Muitas vezes você pensa em investir em algo que não é a prioridade para aquele bairro, para aquela população.
A sociedade tem de participar da administração e também da eleição. O eleitor tem de primeiro conhecer os candidatos, conhecer a vida pública e pessoal dos candidatos. Se o indivíduo já esteve na vida pública tem que ver como foi sua atuação e avaliar. No caso, se não teve uma função pública, deve se analisar a vida privada, porque quem teve atuação na vida privada correta, tem grande chance também de ter função pública da mesma maneira, embora possa haver chance de desvirtuar. Por isso, a importância dessa avaliação da sociedade.

A Crítica – Como arrecadar, principalmente nos pequenos municípios, sem que onere a população?

Pedro Caravina – Essa é uma matemática complicada. Os impostos principais para arrecadação municipal são IPTU, o principal que é o imposto sobre a propriedade; o ISS, o imposto sobre serviços; uma cota do IPVA repassada pelo Estado e depois as transferências voluntárias do ICMS, do FPM e ITR – Imposto Territorial Rural.  Os prefeitos têm de começar a ajustar os valores de seus impostos gradativamente. Temos um histórico de 30 a 40 anos de defasagem, não adianta agora colocar o valor real que será um acréscimo exagerado, de 1 mil a 2 mil por cento, como recentemente aconteceu em algumas cidades do Estado de São Paulo e terá inadimplência maior e sem arrecadação do mesmo jeito. Tem de começar a fazer a recuperação desse imposto (IPTU), até por questão de justiça, gradativamente, para poder ir melhorando sua receita. O principal é que a partir do momento em que a população verifique que aquele recurso, que está sendo pago, é investido em melhoria na cidade, ela vai perceber que vai desenvolver a economia e melhorar sua capacidade de ter mais ganho, para o trabalhador e o empresário. Acho que assim ela aceita melhor o pagamento dos seus impostos.
Outra coisa que o prefeito não pode mais fazer, como acontecia no passado, é abrir mão de cobrança por questão política, companheirismo. As taxas têm de ser cobradas, lógico que com bom senso, lembrando que temos uma carga tributária entre as maiores do mundo e não dá para arrochar ainda mais. A grande jogada é tratar a todos de forma igual. E antes de aumentar, cobrar daqueles que não pagam até para ser justo com aqueles que pagam.

A Crítica – Normalmente em período de eleições para o Congresso, governo e presidência, a busca de apoio das prefeituras é intensa, mas como é a contrapartida para a melhoria das condições da gestão a favor dos cidadãos?

Pedro Caravina – Esse é o papel importante das lideranças políticas. Muitas vezes se busca o benefício pessoal ou para sua família, sendo que esse é o momento de trocar o seu apoio em benefício da população. De que forma? Valorizar o deputado que colocou recurso para o município. O papel do eleitor é cobrar da sua liderança o apoio para quem realmente fez algo pela cidade e ficar atento para que esse apoio não seja para o benefício de interesses individuais. Eu particularmente devo sair a campo pedindo apoio para alguns candidatos, mas mostrando o que eles conseguiram fazer pelo município. Essa é a cobrança que tem de ser feita. Aqueles que buscam voto aqui, qual é a contrapartida que ele vai entregar para o município em melhorias.




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