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Artigos • 08 jul, 2021

A decência não compensa


(por Célio Heitor Guimarães ) – 

Ligo a TV ou abro os jornais e vejo o retrato do Brasil de hoje, que não é só de hoje, mas já de algum tempo: corrupção, assalto, homicídio, violência, rachadinha, pedido e oferta de propina, superfaturamento, fraude, comida falsificada, roupa falsificada, vacina falsificada, vacina vencida, o povo enganado, tramoia, trambique público e privado e mentira, muita mentira!

Sabe por que isso tudo, incrédulo leitor? Porque aqui a decência não compensa. Trabalho, honradez, caráter, ética e solidariedade também não.

O sujeito que tem emprego trabalha a vida inteira. Cumpre integralmente o seu dever. Levanta às quatro da manhã, toma duas, três conduções, viaja espremido e sujeito ao coronavírus no biarticulado de primeiro mundo e nenhuma preocupação com o ser humano, almoça uma friazinha rala e só retorna para casa, nas mesmas condições da ida, quando a noite já chegou. Paga rigorosamente os impostos do governo, submete-se a todos os ditames legais e cumpre todos os mandamentos divinos. Os únicos prazeres que tem, além da família, é um copo de cerveja, quando isso é possível, um programinha medíocre da televisão e o futebol paupérrimo de domingo, quando era aberto ao público. Para um eventual tratamento de saúde, recorre ao SUS e talvez venha a ser atendido dentro de três ou quatro meses, se não morrer na fila de espera. Os filhos são mandados para escola pública, quando conseguem matrícula ou quando há aulas e professores. Isso se a escola não estiver caindo aos pedaços, obrigando a união de turmas díspares a céu aberto ou no corredor ou no refeitório.

No final da vida, em recompensa por toda a dedicação, pelas privações, pelo sofrimento e… pela decência, o sujeito ganha uma aposentadoria merreca de, no máximo, seis salários mínimos e a pecha de responsável pela quebra da previdência social brasileira.

Paralelamente a isso tudo, não muito distante, outro segmento social, menos numeroso e mais feliz da vida, morre de rir disso. Nunca trabalhou, nem tem uma profissão de verdade. Vive de trambiques, espertezas e safadezas, dentro ou fora do governo, mas sempre sob os auspícios do dinheiro público. É o pessoal que tem motorista particular ou dirige os seus próprios carros importados, mora em zona nobre, almoça em restaurante estrelado, bebe um bom malte escocês de 18 anos ou vinho da melhor safra, tem os filhos nas escolas internacionais, vive na ponte-aérea Rio-Paris, São Paulo-Nova York e Curitiba-Miami, e, se ficar doente, procura tratamento em São Paulo, no Sírio-Libanês ou no Albert Einstein. Nunca produziu nada em benefício da sociedade e nada fez pelo Brasil; apenas se vale dele. Mas é importante e está rico, talvez por isso mesmo. Amealha em um único “negócio” o que o sujeito da outra turma não consegue ganhar em um ano de trabalho duro. Bate ponto nas colunas sociais, recheia as revistas de celebridades e é recebido com tapete vermelho nos palácios de Brasília e nos ágapes do Paraná e do Brasil. Não paga impostos, é claro, porque era só o que faltava. Afinal, é ele que dá brilho ao país.

Em quantidade, é uma minoria dentro da nação, mas conhece o caminho das pedras, tem intimidade com o poder ou serve-se dele. E vai para frente, progride na vida. Sabe o leitor por quê? Porque a safadeza, a esperteza, a corrupção, a falta de caráter e de compostura, a falta de ética, a indecência, a violência, a ociosidade e a malandragem compensam no Brasil. Hoje mais do que nunca.

Na minha idade, não tenho mais esperança na mudança do cenário. Ao contrário, tudo indica que ele continuará dessa forma maldita. E em expansão.

Como brasileiros, que querem bem o Brasil, apesar de tudo, resta-nos apenas um consolo: a lição do saudoso e querido Rubem Alves, para quem “perdida uma esperança, outra nasce em seu lugar. Como o capim que brota sob a primeira chuva, depois da devastação da queimada…”. Oxalá!

(Fonte – Blog do Zé Beto)




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