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Artigos • 30 jan, 2018

A ARTE DE SER LEVE


 

 

 

Leila Ferreira – escritora

“Costumo dizer que, depois de passar alguns anos correndo atrás da felicidade, hoje prefiro andar sem pressa em busca da leveza. Não a leveza que nos aliena ou nos condena à superfície, mas aquela que nos inspira a manter uma espécie de elegância existencial mesmo diante das adversidades – e adversidade é coisa que nunca falta pelos caminhos.

Todos nós temos problemas, todos nós convivemos com frustrações e perdas. Mas nenhuma carga de insatisfação pessoal justifica nos transformarmos em seres de espírito obeso, criaturas permanentemente estressadas e insatisfeitas que parecem carregar nas costas (e na alma) o peso do universo. Não há nada mais penoso do que conviver com pessoas desagradáveis – seja na casa, no trabalho, no prédio onde moramos ou na fila do cinema. E a recíproca, claro, é verdadeira: compartilhar um espaço, uma atividade ou uma vida com alguém leve é um dos grandes prazeres da existência.

Quando penso nessa leveza que acrescenta qualidade ao cotidiano, penso antes de mais nada, em bom humor e gentileza. Pessoas indelicadas, incapazes de dizer “obrigado” ou “por favor”, aquele colega da empresa que nunca dá um “Bom dia”, o chefe que maltrata os funcionários, o motorista que sai dando fechadas no trânsito, a vendedora que não cumprimenta os clientes: quem é que gosta de dividir seu cotidiano com pessoas assim? E aquele médico que não dá um sorriso sequer, o marido que não abre a cara por nada deste mundo, a amiga que reclama de tudo e de todos, a colega de trabalho que parece estar brigada com todos e com tudo: alguém merece conviver com criaturas assim?

Quando se abre a mão da gentileza, a qualidade de vida cai drasticamente. Não há como manter bons relacionamentos – sejam eles na esfera profissional, social ou familiar – quando se é descortês ou grosseiro. E quando nossos relacionamentos deixam a desejar, nossa qualidade de vida é expressivamente reduzida. Com o humor ocorre o mesmo. Pessoas bem humoradas ou com senso de humor convivem melhor com o mundo e com elas mesmas. Não criam dramas desnecessários e, com isso, reduzem o impacto das circunstâncias desfavoráveis que inevitavelmente fazem parte do nosso dia a dia.

Antigamente, valorizava-se muito a simpatia. Hoje, no mundo das aparências e do consumismo, valem o corpo malhado, o carro do ano, o rosto sem rugas, a roupa de grife. Aos poucos, vamos nos esquecendo de sermos agradáveis – é como se a simpatia fosse uma virtude bobinha do passado, uma prima pobre esquecida diante de tantos modismos. Apressados, estressados e esgotados pelo esforço permanente do “ter que fazer”, “ter que correr”, “ter que se dar bem” e “ter que competir”, vamos aumentando, sem perceber, o peso que carregamos na alma. É como se a cada dia acrescentássemos alguns quilos a nossa bagagem e o percurso vai ficando cada vez mais arrastado e mais difícil.

Para quem não teve a sorte de nascer leve, leveza é algo que se aprende, garante um casal de psicólogos portugueses que entrevistei para o meu livro sobre esse tema. Helena Marujo e Luís Miguel Neto dão treinamentos em empresas, escolas e hospitais para ensinar as pessoas a serem mais bem humoradas, mais agradáveis, mais otimistas. Fácil não é elas admitem.

Mas é possível. São escolhas diárias que fazemos, pequenas e grandes escolhas: como vou tratar este colega? Vou respeitar ou não meus funcionários? Vou passar duas horas reclamando da vida para os meus filhos? Esta minha cara fechada é algo que alguém merece ter por perto? Até quando vou impor meu azedume a quem me cerca? Quando foi a última vez que tentei ser uma pessoa melhor, mais generosa e delicada, menos amarga ou agressiva? São perguntas que podemos, ou devemos, nos fazer cotidianamente – pequenos exercícios em prol da leveza e da tão falada qualidade de vida.

Mestres na arte de cortar carboidratos e contar calorias, talvez seja hora de colocarmos a alma na balança, aparar as arestas e reduzir as gorduras do espírito. “Travel light”, costumam recomendar os guias de viagem: “viaje leve”, ou seja, quanto menos bagagem, maior a chance de desfrutarmos o que aparece no caminho. Quando a alma pesa pouco, viaja-se, ou vive-se melhor. E, claro quem convive conosco agradece.”




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