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Artigos • 01 nov, 2024

As eleições municipais de 2024 e as perspectivas do bolsonarismo


( Rodrigo Augusto Prando) – Ao fim e ao cabo do processo eleitoral, ficam as questões de sempre: quem ganhou e quem perdeu? Quem saiu fortalecido e quem saiu enfraquecido? Como ficam os grandes “padrinhos” Lula e Bolsonaro?

Os resultados foram, em quase todo o Brasil, de demonstração de força da centro-direita e da direita. Assim, o presidente Lula, o PT e os partidos de esquerda – ou se preferirem, do campo progressista – foram fragorosamente derrotados.

Há, para muitos, a necessidade de uma profunda reflexão desse campo político objetivando compreender os fatos da realidade, sua agenda e sua conexão com a sociedade e o eleitorado que se apresenta mais conservador e menos propenso aos discursos característicos dos progressistas. Contudo, vamos tratar das perspectivas do bolsonarismo e, mais detidamente, de Jair Bolsonaro.

O Partido Liberal (PL) de Bolsonaro foi a legenda que mais conquistou prefeituras dentre os 103 municípios com mais de 200 mil eleitores. O PL ganhou em 16 cidades e “fez” quatro capitais: Maceió, Rio Branco, Cuiabá e Aracaju. Pode-se, então, asseverar que isso fortalece Bolsonaro? Obviamente, que a presença do ex-presidente no PL é assaz importante, como foi, também, para o PSL (Partido Social Liberal) na ocasião da eleição na qual Bolsonaro foi eleito. Em 2018, ao concorrer e vencer a disputa presidencial, Bolsonaro catapultou o PSL, antes nanico, para um partido com vultuosos recursos do fundo partidário. Entretanto, buscando dominar o partido, acabou rompendo e governou o país desfiliado por um período e, em 2022, foi para o PL, tendo sido derrotado na busca da reeleição por Lula.

Em sua trajetória, Bolsonaro foi filiado aos seguintes partidos: Partido Democrata Cristão (1989-1993); Partido Progressista Reformador (1993-1995); Partido Progressista Brasileiro (1995-2003); Partido Trabalhista Brasileiro (2003-2005), Partido da Frente Liberal (2005-2005), Partido Progressista (2005-2016), Partido Social Cristão (2016-2018), Partido Social Liberal (2018-2019); de 2019 até 2021 ficou sem partido; e, finalmente, Partido Liberal (2021- até agora). Neste sentido, tendo vida política tão diversa no âmbito dos partidos pelos quais passou, a pergunta pode ser feita: essas vitórias do PL nesta eleição devem-se somente a presença de Bolsonaro ou à articulação política realizada pelo presidente do partido, Valdemar da Costa Neto?

Há, por exemplo, aqueles que, na avaliação da força de Bolsonaro, buscaram verificar como foram os resultados de seus ex-ministros ou de figuras importantes em seu governo no pleito em voga. Vejamos: Marcelo Queiroga, ex-ministro da Saúde, perdeu em João Pessoa; Gilson Machado, ex-ministro do Turismo, perdeu no Recife; e Alexandre Ramagen, ex-chefe da Abin, foi derrotado no Rio de Janeiro. Há, ainda, a disputa direta com o governador Ronaldo Caiado, na qual o candidato de Bolsonaro (Fred Rodrigues – PL) foi derrotado em Goiânia por Sandro Mabel, apoiado pelo governador Caiado.

Na cidade de São Paulo, em um caso duplamente emblemático, apresentaram-se dois personagens: Ricardo Nunes e Pablo Marçal. Ricardo Nunes (MDB), reeleito, teve o apoio do governador Tarcísio de Freitas e, ao longo da campanha, foi praticamente desprezado por Bolsonaro. No discurso da vitória, Nunes referiu-se a Tarcísio como “líder maior” e um amigo que “lhe deu a mão na hora mais difícil”. Citou Bolsonaro en passant ao agradecer a indicação do vice. Recado mais claro não há. Tarcísio, que apostou em Nunes desde o começo, termina maior; Bolsonaro, titubeante, saiu menor. Outro nome, em São Paulo, que traz medo ao bolsonarismo é Pablo Marçal (PRTB), que mostrou, claramente, que os votos do bolsonarismo não acompanham, sempre, as indicações de Bolsonaro e que, derrotado por Lula e inelegível, o ex-presidente pode concretamente perder espaço e força no campo da direita e até do populismo da extrema-direita.

Não faz muito, tendo sua liderança questionada por jornalistas, Bolsonaro afirmou não enxergar a hipótese de uma direita sem sua presença. Afirmou, ainda, que: “Já tentaram várias vezes, não conseguiram. Esses caras juntam quantas pessoas em um aeroporto, em bate-papo em qualquer lugar do Brasil. Não sabem a linguagem do povo”. A declaração do ex-presidente tem sentido e é ligada aos fatos: sua força política é evidente e ele sabe disso, mas na condição de ator político ele parece desprezar ou minimizar outras lideranças que podem assumir protagonismo no jogo político, especialmente, como afirmamos, encontrar-se inelegível e, em política, o poder não fica órfão.

Partindo da afirmação de Bolsonaro, dois de seus possíveis herdeiros – Ronaldo Caiado e Tarcísio de Freitas – não são figuras carismáticas, “não sabem a linguagem do povo”, e nisso Bolsonaro tem razão. Mas, no primeiro turno, em São Paulo, Pablo Marçal foi disruptivo e encaixou bem o discurso antissistema. Marçal tem carisma, domínio das ferramentas digitais e recursos financeiros abundantes. Se, em 2018, Bolsonaro foi um ator político que interpretou um papel canalizando inúmeras insatisfações da população; em 2024, Marçal foi ator e o próprio roteirista de sua candidatura, com mais sofisticação intelectual que Bolsonaro.

Ainda no campo da direita, há Nikolas Ferreira (PL), deputado federal por Minas Gerais, que se apresenta como uma liderança que domina o estilo de “lacração” e memes do populismo digital e muitos já consideram um potencial nome para a disputa presidencial no futuro.

Um outro aspecto que incomodou Bolsonaro, nestes dias que correm, foi o fato de que Arthur Lira (PP), presidente da Câmara dos Deputados, retirou o chamado PL da Anistia da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e que pretende criar uma comissão especial para a tramitação dessa proposta, que tem o objetivo de anistiar os envolvidos nos ataques às sedes dos Três Poderes no 8 de Janeiro. Bolsonaro, especialmente, tem interesse nesse projeto, já que, juridicamente, a decisão pode lhe favorecer, visto que ele é investigado no Supremo Tribunal Federal (STF) por ser um dos articuladores e principal interessado em um golpe para evitar o início do Governo Lula.

À guisa de finalização deste escrito, trago à tona uma conversa entre dois colegas professores. Um deles, indignado, dizia: “Eu assisti um comentarista de política dizendo que Bolsonaro foi um dos grandes derrotados desta eleição, mas como pode se ele nem candidato foi?”. E o outro, incrédulo, respondeu: “Isso, como pode ser derrotado se nem concorreu?”. Nos meandros da política há vitórias de pirro e que apequenam os atores políticos e derrotas que engrandecem os perdedores, seja política ou moralmente

Rodrigo Augusto Prando, professor e pesquisador da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Graduado em Ciências Sociais, Mestre e Doutor em Sociologia, pela Unesp.




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