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Artigos • 03 maio, 2024

Drama gaúcho faz pensar que precisamos de mais alertas de desgraça ambiental


(por Vinicius Torres Freire, na FSP) –

É preciso criar e escancarar indicadores de como o desastre climático afeta o cotidiano

É difícil associar imediatamente acontecimentos específicos, como a desgraça que se desenrola no Rio Grande do Sul, com a evidente degradação do clima no planeta.

Se por mais não fosse, em muitos casos o morticínio ou a destruição dependem também da falta de planejamento urbano ou econômico e à escancarada e desavergonhada exclusão social.

De qualquer modo, a recorrência dos desastres já demonstrou que aquela história de populações que vivem em “áreas de risco” é mais do que velha e acanhada.

Não há mais “áreas de risco”, circunscritas, embora existam buracos do inferno sobre a terra ou sobre a Terra. É claro que os pobres sofrerão e morrerão primeiro, pois vivem naquelas zonas centrais de intersecção de riscos, socioeconômicos e ambientais.

O risco ou a desgraça estão cada vez mais espalhados ou se espalham também em ondas, mais ou menos difusas. Se essa conversa parece abstrata, basta pensar no óbvio efeito de temperatura e chuvas sobre plantações, rebanhos, produção de água potável ou no nível de reservatórios de usinas hidrelétricas.

Em 2015, São Paulo, a maior cidade do país, esteve à beira de um colapso total no abastecimento d’água, por questão de dias. Além de tudo simbólico, em 2021, nuvens de poeira escureceram os céus do estado.

Os efeitos crescentes das variações de temperatura e chuvas sobre a inflação, por exemplo, mal começam a ser estudados. É fácil perceber como o clima pode ter impacto no preço de comida e eletricidade, no desempenho geral da economia e, pois, no bem (mal) estar social.

As secas terríveis de 2014 e 2015 no Brasil tiveram alguma parte na Grande Recessão de 2014-2016. O impacto não é apenas pontual, de resto. Regiões cultiváveis deixam de sê-lo ou perdem as características que permitiam o cultivo rentável de certos produtos. Vai piorar.

O assunto é muito difícil, faltam dados; a produção de muita commodity agrícola se espalha pelo mundo, sujeita cada uma a variações não concomitantes do tempo, de resto regionalizadas.

As primeiras pesquisas apenas arranham algumas evidências e associações da ruína climática com a economia —mas elas já existem. Vide um estudo que saiu no mês passado na revista científica Nature (“Global warming and heat extremes to enhance inflationary pressures”, de Maximiliam Kotz, do Instituto Potsdam para a Pesquisa do Impacto do Clima, e colegas do Banco Central Europeu).

E daí? Precisamos saber mais também no debate público, embora a demagogia extremista tenha reduzido a confiança no conhecimento científico.

Precisamos saber mais do que os números de queimadas, desmatamentos e outras devastações dos biomas, mais do que “populações em área de risco”, mais do que estatísticas de mortes “em desabamentos” em tempestades.

O poder público precisa chamar cientistas para produzir indicadores sintéticos da destruição e seus efeitos, ao menos de indicadores de riscos imediatos causados pela degradação. Ou de medidas mais frequentes da associação de morticínios e perdas econômicas a devastações do ambiente.

Em parte, e, em baixa frequência, tais dados já existem. Precisamos estudar maneiras de dar sentido urgente a tais números.

Não é mais possível dizer que secas, calores ou até frios prejudicaram tal safra ou que há risco de “Bandeira Vermelha” no preço da energia porque a água não correu para as usinas, de modo dão ligeiro como comentávamos se iria fazer sol ou chover no final de semana.

Precisaríamos de algo como um IBGE do desastre ambiental e climático, para dar mais alertas e escancarar as feridas, até porque quem fere continua no mais das vezes impune




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