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Artigos • 20 set, 2024

É preciso não saber envelhecer


(por Tati Bernardi, na FSP) –

Ser muito feliz é que é um desserviço aos outros

Estou com dificuldade em lidar com o deleite interestelar com o qual algumas famosas envelhecem. Melhor fase da vida delas, grande momento, nunca se sentiram mais dispostas, taradas e belas.

Faz umas semanas minha bochecha caiu dois centímetros e meu queixo, por conta da queda, aumentou de tamanho. Sobre minha papada ainda não estou pronta pra falar. Me olho no espelho e penso todas as manhãs “quem é essa tia e o que ela quer de mim?”.

As pelancas das minhas pálpebras me trouxeram uma nova chateação, que é explicar todos os dias pra alguém que não preciso me sentar, não estou passando mal ou virada 48 horas trabalhando.

Minha barriga tem gominhos, o problema é que cada um deles é uma barriga por si só. Minha coxa está começando a dar aquela caída por cima do joelho o que me faz pensar em rótulas falantes com suas boquinhas. O que elas me diriam? Você já foi mais sexy, senhora.

Outro dia olhei uma foto minha em uma festa, eu estava de perfil, e meu cotovelo parecia o vácuo da privada do avião. Um cu murcho. Uma flor que seca e se retrai. Sei lá o que parecia aquilo. Ali jaz um cotovelo.

Passei a andar meio mancando. Esses dias uma amiga me perguntou se eu estava com o pé machucado. Tenho desgastes, bursites, protusões e artrose na lombar. Chego aos lugares como a tia Márcia chegava na ceia de Natal com seu arroz doce e a tigela sacolejando. Eu tinha uns 14 anos quando pensava “que horror, tia Márcia, anda direito”. Trinta anos depois eu entrego ao Brasil todo o charme de tia Márcia.

Meu ombro arredondou. Eu inteira arredondei. Não é ganho de peso (é um pouco sim, posso ficar 15 dias na salada com peito de frango que não perco nem meio quilo), é arredondar mesmo. Como se eu fosse feita de massa de modelar e então alguém acariciasse toda a minha forma até que tudo meu ficasse redondo. Só que ninguém tem acariciado minha forma.

Minhas tias italianas têm braços imensos, molengos, que um dia ouvi serem “de polenteira”. Pois bem, estou ficando com braços assim. Eles me dão ares de matrona, de mama italiana. Não faz nem três anos eu tinha braços mais fortes e dinâmicos, agora, em uma função específica do enlace sexual, observo a dança de meu bíceps braquial e me desconcentro do membro.

Ah, Tati, mas isso é um desserviço. Você como colunista. Você como progressista. Você como mulher. Você como mulher que entrevista mulheres. Você como sei lá o quê. Não deveria. Não deveria. Falar mal de envelhecer. Olha eu quero mais é que se dane. Eu sou livre pra dizer que envelhecer não é fácil. Eu não aguento mais gente trincada de alegria, maturidade, equilíbrio e aceitação com o fato de que, sim, nossas axilas, gengivas e vaginas estão desmoronando.

Não precisamos deprimir seriamente ou chorar uma tarde inteira, agora dizer que não sentimos saudades profundas daquele corpo dos 20 anos, dos 30 anos, é mentira. E quem acha que está melhor hoje é porque tem tempo/saco/dinheiro/falta de interesse em livros pra malhar feito uma maluca, fazer 500 tratamentos e ainda meter um chip de testosterona. É preciso dizer a verdade. Inclusive ser muito feliz é que é um desserviço aos outros.

Se coloco um casaquinho e me vejo espelhada em alguma loja tento abraçar minha avó. E precisei escrever essa crônica em Times New Roman 18 porque parei de enxergar no Times New Roman 14 e nem acho esse parágrafo muito elaborado porque na verdade eu esqueci o que ia dizer.




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