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Artigos • 27 dez, 2022

Errei sobre o impeachment


(por Demétrio Magnoli) – 

Legítimo e legal, o impedimento de Rousseff foi um erro político grave

Escrevi aqui, em março de 2016, uma coluna intitulada “Impeachment, urgente!“. Era uma mudança da opinião contrária ao impedimento de Dilma Rousseff que expressei desde o início de 2015 —e, claramente, um erro de avaliação política.

Passei a encarar o impeachment como necessidade “urgente” pelas reações de Rousseff e da direção petista ao processo judicial contra Lula. Gilberto Carvalho, prócer do PT, acenava com uma ameaça explícita de “venezuelanização”, a militância petista promovia um cerco a um fórum de São Paulo e a presidente manobrava para elevar Lula à condição de ministro, a fim de tirá-lo da jurisdição de Sergio Moro. O Planalto transformava-se num santuário destinado a proteger o ex-presidente do sistema judicial. A democracia, concluí, precisava cortar pela raiz a deriva autoritária.

A acusação formal que provocou a queda de Rousseff era verdadeira: as “pedaladas” violaram a Lei de Responsabilidade Fiscal. Mas, como escrevi em fevereiro de 2015 (na coluna “A hora e a história”), o desvio não valia um remédio tão extremo.

Nunca comprei aquele diagnóstico. Na Venezuela, o chavismo controlava o poder inteiro: Executivo, Legislativo e Judiciário. No Brasil, o PT não comandava uma maioria ideológica no Congresso e o STF conservava sua independência (mas, para desespero de Lula, nem sempre a indispensável isenção política). A folia econômica impunha sofrimento, mas seria interrompida antes da catástrofe.

Contudo, o que fazer diante de uma presidente e um partido dispostos a confrontar o sistema de justiça?

Hoje se sabe, via Vaza Jato, que Moro e seu Partido dos Procuradores guiavam-se por um projeto de poder. Na época, isso era desconhecido —mas a corrupção desenfreada na Petrobras não o era. Mesmo assim, o certo teria sido seguir criticando a saída do impeachment.

O STF tinha a prerrogativa de afastar o foro privilegiado de um Lula alçado ao ministério —e certamente a utilizaria. As sentenças agourentas de Gilberto Carvalho e as manifestações mais tresloucadas da militância petista não colocavam em risco a estabilidade institucional. O país podia suportar mais dois anos de desgoverno, até o veredicto das urnas.

O impeachment trouxe consequências funestas. Numa ponta, fortaleceu os conspiradores da Lava Jato que, com o auxílio de um STF rendido, encarceraram Lula e destruíram tanto o PSDB quanto o governo Temer. Moro et caterva abriram as portas para a ascensão de Bolsonaro. Na outra, interrompeu o processo de aprendizado nacional sobre o populismo econômico. A queda da presidente propiciou ao lulismo um álibi narrativo capaz de ocultar, ao menos parcialmente, o fracasso de suas doutrinas —que, tudo indica, voltarão a assombrar o país.

“Golpe do impeachment”? Não: isso é uma narrativa política esperta, destinada a reescrever a história do lulopetismo. O impeachment subordinou-se ao rito legal, supervisionado pelo STF —como, aliás, no caso de Collor. Presidentes sofrem impedimento quando perdem o apoio da esmagadora maioria dos cidadãos e uma sustentação mínima no Congresso. Só não funciona assim nas ditaduras —entre elas, algumas comandadas por “companheiros” de esquerda.

Legítimo e legal, o impedimento de Rousseff foi um erro político grave. Entendi isso no começo. Depois, fui tragado pelo turbilhão. Mea culpa.

*Publicado na Folha de S.Paulo




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