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Artigos • 29 abr, 2021

Especulações implausíveis sobre a Lava Jato, critica Roberto Livianu


  Tese sobre EUA não tem base factual – Decisão do STF não anula a operação – MP luta para mudar tragédias sociais – Economia não se apoia na corrupção

Há algumas semanas, desde que a 2ª Turma do STF declarou Moro parcial ao apreciar o caso do tríplex do Guarujá, por 3×2, depois que a ministra Carmen Lúcia mudou seu voto, Lula vem afirmando ter sido vítima da maior mentira da história jurídica do país, transmitindo mensagem inverdadeira de ter sido absolvido. Não foi. Houve vitória jurídica de Lula, mas ele não foi absolvido.

E se houver decretação da extinção da sua punibilidade em virtude da prescrição, será extinta sua punibilidade e também não terá sido absolvido. Ou seja, terá decorrido o prazo que o Estado tinha para acusar, processar e punir. Muito diferente de um exame final e conclusivo de mérito sobre as provas afirmando que foi absolvido. Trata-se de mera narrativa.

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Sérgio Moro, por força de sua atuação no caso Banestado, esteve nos Estados Unidos e manteve contatos com agentes do FBI em 2007. Deltan Dallagnol fez mestrado em Harvard e já esteve nos Estados Unidos representando os interesses do MPF. Em 2015, agentes do FBI estiveram em Curitiba, em visita confidencial. Mas daí a afirmar categoricamente que foram seduzidos e agiram como marionetes a serviço de interesses estadunidenses, há uma diferença abissal.

Gostaria que o autor do texto apontasse em que página da obra “A Corrupção e os Governos”, de Susan Rose-Ackerman, supostamente “a bíblia da Lava Jato”, ela teria afirmado que o inimigo precisa ser humilhado, encurralado e difamado com uso da mídia, pouco interessando se é culpado ou inocente? Trata-se de grave ofensa a uma cientista respeitada internacionalmente.

Tivemos crises econômicas nos anos 60, 70 e 80 e temos poucas pessoas percentualmente que acessam os direitos inerentes à cidadania, infelizmente. O Ministério Público luta para mudar este quadro de tragédia social. Em Santa Quitéria, no Maranhão, por exemplo, o MP conseguiu eliminar o subregistro civil –1ª cidade do país que atinge a erradicação desta chaga da cidadania. Assim como a evasão escolar e muitos outros dramas gigantes que nos agridem de norte a sul, leste a oeste.

Como também enfrentou a corrupção sistêmica a partir de 2014 pela força-tarefa da Lava Jato, com cujo trabalho responsabilizou aqueles que sempre se autoproclamaram intocáveis, numa saga histórica de sangue, suor e impunidade muito bem narrada por Malu Gaspar em sua obra “A Organização”. Foram recuperados mais de R$ 4,3 bilhões (patamar de 1/3, altamente significativo diante dos padrões internacionais). Os eventuais erros foram infinitamente menores que os acertos.

Já que o STF entendeu que Moro foi parcial no caso do tríplex, a instrução será reiniciada em Brasília e nada além disto. Há mais 3 casos em que ele é réu, em relação aos quais não se proclamou suspeição. Aliás, este é tema singular e individual, não se beneficiando da decisão outros acusados de forma automática, nem da decisão referente ao deslocamento de competência. As provas incriminadoras existem e não deixarão de existir num passe de mágica. Os acusados igualmente não poderão ser beatificados diante do mar de evidências incriminadoras. O dinheiro recuperado por força deste trabalho histórico não será devolvido aos corruptos.

A convenção da OCDE, de 1997, subscrita pelo Brasil, considerada o turning point do mundo no combate à corrupção, prevê com clareza solar: não se pode deixar de punir a corrupção sob o argumento de dano à economia. Porque justamente a saúde econômica, a previsibilidade no mundo dos negócios precisa da punição da corrupção –jamais da omissão, da prevaricação.

Digo isto porque é absurda narrativa de que a Lava Jato quebrou a economia ou gerou desemprego. Então o médico é o responsável pelas doenças por ter atendido doentes? Se os pacientes morrem ele vira assassino? Mulheres são causadoras de estupros por usarem vestidos decotados? Nada mais absurdo. Só falta se dizer que a Lava Jato deu causa a mortes da pandemia ou da seca nordestina ou aos alagamentos de chuvas de verão mais impactantes. A sociedade exige, pelo contrário, que se atue com firmeza contra a corrupção, punindo de forma exemplar os violadores da lei, depurando o mercado, para que nele permaneçam empresas íntegras.

As escolhas feitas nas eleições se originam de uma série de fatores. Influencia muito a compra de votos com dinheiro do caixa dois eleitoral, o ressentimento coletivo, a crise de representatividade política, o desconhecimento, o déficit educacional. É, a meu ver, totalmente equivocado marcar a escolha de Bolsonaro como fruto apenas da Lava Jato. Qual a base científica sobre a qual se assenta esta afirmação?

Vejo aqui a junção de fatos e mais fatos. Construção de meras ilações sem qualquer cientificismo. A meu ver, com todo respeito, sem demonstrações cabais, tudo isso não passa de conjectura –pura “teoria da conspiração”. E, segundo Robert Blaskiewicz, da Universidade de Stockton, a chamada “teoria da conspiração” é expressão que desde 1870 se refere a “hipóteses extremas” ou especulações implausíveis.

Fonte – Poder 360

Roberto Livianu, 52, é procurador de Justiça, atuando na área criminal, e doutor em direito pela USP. Idealizou e preside o Instituto Não Aceito Corrupção. Integra a bancada do Linha Direta com a Justiça, da Rádio Bandeirantes, é articulista da Folha de S. Paulo e do Estado de S.Paulo e é colunista da Rádio Justiça, do STF. Escreve para o Poder360 semanalmente, às terças-feira




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