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Artigos • 24 ago, 2021

O poder da burrice O desmonte da educação explica em parte o fundo do poço que atingimos


(por João Wainer) – 

O desmonte da educação explica em parte o fundo do poço que atingimos

Quando isso tudo passar, os sobreviventes desse período sombrio da história terão muito trabalho para reconstruir o que foi destruído. Serão necessários anos de estudo para entendermos de onde veio esse ímpeto suicida que fez um país com a importância do Brasil eleger uma pessoa tão despreparada para governar como Jair Messias Bolsonaro.

Ouvi do mestre Juca Kfouri uma vez que nosso grande inimigo é a burrice. Faz sentido, mas não é só isso. Os que manipulam a burrice são mais perigosos do que os burros.

Bem antes do surgimento da internet, Nelson Rodrigues já dizia que os imbecis iriam tomar conta do mundo, não pela capacidade, mas pela quantidade, pois são muitos. As redes sociais permitiram que essa grande quantidade de ineptos espalhada pelo mundo pudesse se aglutinar e ser manipulada em massa, concretizando assim a profecia do dramaturgo carioca em uma escala inimaginável.

A estupidez nunca foi um grande problema para a humanidade, ninguém dava muita bola para essas pessoas, e o estrago que causavam era apenas local. Essa burrice, outrora quase folclórica, hoje ameaça governos pelo mundo, provoca o caos e põe em risco a democracia.

Pessoas que não entendem nada de infectologia dão aulas na internet explicando como acabar com a pandemia da Covid-19, um “tiozão do zap” que mal sabe ligar o celular ou pronunciar a palavra “firewall” tem certeza absoluta de que as urnas eletrônicas podem ser fraudadas, um leigo em astronomia garante no YouTube que a Terra é plana e isso sem falar nos burros com diploma, que podem garantir a eficácia da cloroquina ou do ozônio via anal.

Mas como discutir com um burro, ou até tentar explicar que ele é burro? Impossível, pois exatamente por ser burro lhe faltam os elementos cognitivos que poderiam permitir que entendesse isso.

Argumentar com essas pessoas remete ao complexo do pombo enxadrista, aquele que, quando confrontado pelo adversário, derruba as peças, caga no tabuleiro e sai voando para dizer que ganhou. Um tipo de comportamento que atinge em cheio seu principal objetivo. Inviabiliza o diálogo, o que é excelente para quem não é capaz de produzir argumentos.

Se chegamos a esse buraco, o acaso pouco teve a ver com isso. Durante a ditadura militar, um projeto educacional sério foi destruído por pessoas que desprezam o conhecimento, o pensamento crítico e as artes em geral. Professores foram presos, torturados e perseguidos com o claro objetivo de levar para as salas de aula apenas o pensamento militar de obedecer sem questionar. Disciplinas que provocam a reflexão foram banidas, e outras, que estimulam a obediência, como educação moral e cívica, criadas. Sofremos os impactos dessa política até hoje e isso explica em parte o fundo do poço que atingimos.

Recentemente, em pleno 2021, o ministro da Educação disse que a universidade deve ser para poucos, sugerindo que os mais pobres façam cursos técnicos. Disse também que crianças com deficiência atrapalham em sala de aula. Parece haver um método nisso. Ele deve estar preparando o terreno para que outro energúmeno seja eleito presidente daqui a 20 anos.

*Publicado na Folha de S.Paulo




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