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Artigos • 03 jul, 2025

Os contadores de stories


por Carlos Castelo

Sou do tempo em que escritor escrevia: com lápis, caneta ou na base da Olivetti Lettera. Não existia ChatGPT. O único apoio criativo vinha do café forte e da atmosfera densa das bibliotecas públicas. Se o escriba tivesse uma farpa de madeira encravada numa das unhas que datilografavam, melhor ainda.

Entre a seca de ideias e o narcisismo, surgiam frases que nem sempre prestavam, mas tentavam prestar homenagem à língua. Atualmente, o autor virou roteirista de dancinha: não inventa, performa.
utro dia, vi um rapazinho da nova safra explicando a “estrutura” do seu livro. No PowerPoint, havia um cérebro, uma ampulheta e um foguinho. Apesar dele se apresentar como autor, não recorria a palavras, mas a emojis. A língua portuguesa, coitada, desmaiou de vergonha e foi parar na UTI do Dicionário Houaiss.

Nos tempos idos, o escritor era pálido, socialmente desajeitado e dado a monólogos mais longos que fila de reclamações no INSS. Agora precisa ser carismático, fazer lives, reels, TikToks. Mais: exibir a estante, o gato e a receita de tapioca. Se não viralizar, azar o talento. Literatura virou algoritmo, e algoritmo é analfabeto.

Autenticidade? Trocaram por performance ensaiada com três câmeras e filtro que apaga rugas até da planta do pé. O texto virou acessório e, se possível, curto. Sabe como é: o público não tem paciência. Querem leitores que não leem. Tipo vender pianos a surdos.
Um jovem iniciante me disse, orgulhoso: “Meu novo livro nasceu de um thread que viralizou.” Respondi que meu almoço nasceu de um ovo que fritei, mas nenhuma editora me ofereceu contrato. Talvez, se eu dançasse com a frigideira na frente do celular, a situação fosse outra.

Produzir literatura já foi ato de solidão. Hoje é ato de marketing. Tempos atrás, o escritor se trancava em seu quarto. Na contemporaneidade deve escancarar a vida aos seguidores para ganhar um lugarzinho ao sol. Publicava-se para entender o mundo. No século XXI cria-se para ser entendido pelo Google. E o algoritmo só compreende o que é sintético, barulhento e legendado em caixa alta.

Quanto aos poetas, viraram elemento decorativo: lançam versos em carrosséis de cinco slides, com musiquinha de fundo e efeitos de chuva na tela. Rimam “amor” com “like” e “sofrimento” com “engajamento”. Medem a métrica pelo contador de caracteres do smartphone. O soneto, pobre coitado, virou post de Dia dos Namorados. E, se não couber em 800 caracteres, perde audiência. A poesia sobrevive, sim, mas nos highlights do Instagram, eternamente filtrada em sépia.

É verdade: não está fácil pra ninguém. Ainda mais para quem nasceu numa era em que se expressar através das palavras exigia paciência, angústia e um leve TOC. Hoje, basta tripé, celular e coragem de se expor de pantufas fazendo caretas. O resto, o Catarse resolve. Não é à toa que os clássicos morreram antes do Instagram. Se vivessem para ver os novos tempos, pediriam para morrer de novo (Blog do Zé Beto)




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