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Artigos • 02 maio, 2023

Por que sou contra o PL das Fake News


(por Joel Pinheiro da Fonseca) – 

Querer que redes arbitrem sobre o conteúdo em temas cruciais é temerário

Uma rede social que permita postagens afirmando que Lula, ajudado pelo STF, deu um golpe nas instituições brasileiras estará faltando com seu dever de cercear conteúdos que ataquem a democracia? E a rede social que permitir posts dizendo que Temer deu um golpe, “com o Supremo, com tudo”? Será lícito defender a cloroquina num post? E a Teoria Monetária Moderna?

São algumas perguntas que o PL das Fake News suscita. Originalmente, ele previa a criação de um conselho independente para resolvê-las. Agora o conselho caiu, mas as discussões ainda caberão a alguém. Ministério da Justiça? Anatel? Seja quem for, está bem claro que é muito poder para uma entidade só.

Esse é apenas um dos aspectos do PL —há também o debate econômico e medidas de transparência, algumas boas inclusive—, mas é importante o bastante para que ele me pareça ter mais potencial para o mal do que para o bem. Isso sem falar nos pontos simplesmente absurdos: políticos com mandato imunes a qualquer tipo de remoção de conteúdo pelas plataformas. Ou seja, algumas das principais fontes de fake news de nosso país estão expressamente protegidas pelo PL das Fake News.

E o debate público ficará cerceado. Via de regra, não é desejável socialmente proibir o erro ou mesmo a mentira. Primeiro, porque determinar o que é a verdade em cada caso concreto dá um poder enorme à entidade que receber essa atribuição. E, se ela tiver vínculos com um dos lados da luta política do país, pior ainda.

E, em segundo lugar, porque erros e mesmo mentiras também servem ao debate público, ao obrigar quem conhece a verdade a refutá-los e estabelecer —perante a opinião pública— uma versão que mais se aproxime da verdade e dos fatos conhecidos. Esse processo de debate público, guiado, a cada passo e em cada participante, por paixões irracionais, ambições pessoais e espírito de grupo, resulta num público mais informado no longo prazo.

Entendemos melhor o processo de aprovação de vacinas, o funcionamento das urnas eletrônicas e a definição das taxas de juros graças aos debates que movimentaram a sociedade nesses anos. Nos “bons e velhos” tempos antes de redes sociais e fake news, ninguém fazia a menor ideia.

Aprender a navegar nessas novas águas, mais democráticas (ou seja, em que um número maior de pessoas participa) é muito mais importante do que tentar cobrar das empresas que limpem o debate público brasileiro.

De pouco adianta que alguns especialistas detenham um conhecimento socialmente relevante se são incapazes de torná-lo inteligível e persuasivo —inclusive desfazendo mitos e mentiras— para os participantes do debate público que não são especialistas. Como, aliás, os políticos e demais líderes com poder de decisão na sociedade também não são nem nunca serão especialistas.

Nestes dias acompanhamos a atuação do Ibama no resgate da capivara Filó sendo questionada na opinião pública e na Justiça. Fatos desencontrados, com oportunistas de ambos os lados. Mas é nesse processo que eles se esclarecem.

Hoje as autoridades são chamadas a justificar suas decisões perante a opinião pública, e a pressão política que essa necessidade cria, embora não tenha a caneta em mãos, muitas vezes influencia quem tem.

Um PL poderia ajudar a tornar as redes mais transparentes e menos manipuláveis. Mas querer que elas arbitrem sobre o conteúdo em temas cruciais, sob a ameaça de multas e até fechamento, é temerário.

*Publicado na Folha de S.Paulo




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