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Artigos • 03 jun, 2023

Sem um fim à vista, a Guerra da Ucrânia é rica em mortes e mentiras


(por Mario Sergio Conti, na FSP) –

Wolfgang Streeck alerta para manipulação americana do conflito, que terceiriza negociação para lucrar com armas

Um ano e três meses depois de a Rússia invadir a Ucrânia, a guerra que iria durar dias, na opinião maciça dos famigerados especialistas, feriu e matou mais de 350 mil pessoas. Não há vitória militar, armistício ou acordo diplomático à vista.

Os palpiteiros continuaram a fazer previsões e não acertaram uma. Profetizaram que as sanções econômicas quebrariam as pernas de Putin —e ele segue firme. Que a ofensiva ucraniana de maio seria fulminante —e o mês acabou com o recuo de Zelenski em Bakhmut.

Previsões erradas são parte da névoa da guerra, expressão derivada de uma frase de Clausewitz, o patrono dos estudos bélicos. Ele disse: “a guerra é o reino da incerteza; três quartos dos fatores que orientam a ação estão envoltos numa névoa de incerteza”.

Wolfgang Streeck não prevê, estuda. Diretor emérito do Instituto Max Planck, o sociólogo alemão tem escrito artigos objetivos sobre o conflito. No último deles, traduzido pelo site Outras Palavras, usou um termo italiano para falar da névoa da guerra na Ucrânia: “dietrismo”.

A expressão vem de “dietro”, atrás. Pode ser traduzida para “detrasismo”, um neologismo horrível. O “detrasismo” crê que os fatos divulgados pelos poderosos são enganosos, e então busca a verdade detrás deles. O “detrasismo” vai da interpretação de boa-fé a teorias conspiratórias.

Um exemplo nacional de “detrasismo” —logo de pouca força no destino da guerra, dada a desimportância do Brasil. O Planalto anunciou neutralidade. Alinhou-se aos que buscam o fim do morticínio e o início de negociações de paz.

Logo vieram os “detrasistas”. Disseram que o anúncio era névoa; visava a esconder a verdade detrás da atitude do Planalto: Lula quer engraxar as botas de Putin e ganhar o Nobel da Paz.

Streeck dá como exemplo de “detrasismo” um dos fatos mais espetaculares da guerra, a explosão do Nord Stream. Com 1.200 km, é a tubulação mais longa do mundo. Atravessa o mar Báltico e leva gás natural da Rússia para a Alemanha, que dali é vendido na Europa.

Na véspera dos combates, Biden disse que a segunda fase do Nord Stream 2 não entraria em operação se a Rússia invadisse a Ucrânia. Veio a invasão e a tubulação foi explodida. Era óbvio quem a explodira: dois mais dois são quatro.

Mas Estados Unidos, Europa e Ucrânia silenciaram. Idem a imprensa ocidental. Até que Seymour Hersh, o lendário jornalista de assuntos militares e espionagem, publicou no seu site uma reportagem minuciosa. Mostrou que a sabotagem fora feita por Washington.

O “detrasismo” contra-atacou com uma reportagem inconcebível no New York Times. Disse que seis ucranianos, sem ligação com Zelenski, perpetraram o ataque. Detalhe bisonho: com uma lancha alugada. A notícia não se destinava a esclarecer o atentado, mas a enevoar o relato de Hersh. Streeck analisou documentos secretos americanos vazados sobre a guerra. Eles dizem que a corrupção campeia no governo Zelenski. Até aí, novidade zero. A Ucrânia era acusada de ser ultracorrupta —até o início da guerra.

A partir dela, as denúncias de ladroagem deram lugar à imagem de Zelenski como empresário do Vale do Silício. O jovem caucasiano de camiseta e jaqueta é contraposto ao mongol de lábios finos e olhos de peixe morto, Putin.

Os documentos são céticos quanto à vitória da Ucrânia. Apoiando-se em dados, Streeck conclui que os papéis foram vazados porque a Casa Branca receia se associar a uma eventual derrota, ainda mais desastrosa que as no Afeganistão e Iraque.

Por isso os Estados Unidos terceirizam a guerra para a Europa. Querem que seja financiada pela Alemanha. Assim, seria mantido em alta o mercado da morte: no ano passado, o mundo gastou US$ 2,24 trilhões em armas, 39% das quais feitas por indústrias americanas.

Esse é o interesse imediato, alerta Streeck. Pois para ele o ponto de fuga do balé geopolítico de Biden é o conflito, potencialmente bélico, com a China. É com ela que os Estados Unidos disputam mercados e indústrias.

É primavera na Ucrânia. Flores são depositadas sobre as covas dos milhares de mortos na guerra. Morreram pela pátria? O italiano Marco D’Eramo, outro sociólogo, lembrou há pouco algo que Émile Zola escreveu há cem anos, tendo como fundo a névoa da guerra.

O autor de “Eu Acuso” disse: “Achamos que morremos pela pátria; mas morremos pelos industriais. Esses mestres de nossa época têm três coisas necessárias aos grandes empreendimentos modernos: fábricas, bancos e jornais”.

(Foto Wikipédia )




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