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Justiça

Justiça • 20 maio, 2023

Decisão esquisita em tempos estranhos ( Editorial/Estadão)


Os sete ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) votaram pela cassação do mandato do deputado Deltan Dallagnol (Podemos-PR) com base na Lei da Ficha Limpa. Apesar de unânime, a decisão é controversa. Isso porque a Lei é incontroversa: ex-magistrados ou procuradores podem se candidatar a menos que tenham sido demitidos em decorrência de processo administrativo ou judicial, ou se exonerado na pendência de processos administrativos disciplinares (PADs). No caso do ex-procurador não havia nem uma coisa nem outra. Ele já fora penalizado em dois PADs, mas com advertência e censura. Quando se exonerou, tramitavam 15 procedimentos, entre reclamações e sindicâncias, mas ainda não convertidos em PADs.
A interpretação de regras de inelegibilidade deve ser restritiva, privilegiando maximamente o gozo do direito fundamental de se candidatar. Por isso, o Ministério Público Eleitoral e o Tribunal Regional Eleitoral do Paraná (por unanimidade) entenderam que a candidatura era limpa.
Ainda assim, o relator no TSE, ministro Benedito Gonçalves, justificou sua decisão alegando “fraude à lei”: a instauração de um ou mais PADs era iminente e ao se exonerar Dallagnol teria se valido de um exercício regular de direito para burlar a finalidade da lei. Num eventual recurso, a Suprema Corte avaliará a legitimidade dessa fundamentação. Mas, mesmo admitindo-se uma interpretação indevidamente extensiva da lei, a decisão não contraria seu espírito.
Para garantir que o Ministério Público cumpra sua missão de “defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”, a Constituição multiplicou suas prerrogativas e lhe conferiu ampla autonomia. Em contrapartida, vedou aos procuradores “exercer atividade político-partidária”. As restrições eletivas regulamentam disposições constitucionais que visam a “proteger a probidade administrativa” e “a legitimidade das eleições” contra “o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta”.
Em alguns casos, os abusos de operadores da Lava Jato restaram demonstrados de jure (vide as anulações de processos julgados por Sérgio Moro por suspeição de motivação política). E, de facto, a politização da operação foi ampla e notória. Tanto Dallagnol quanto Moro (e até a esposa deste) a usaram como trunfo para alavancar suas candidaturas. A operação cujo objetivo era apurar desvios de recursos públicos para fins particulares tornou-se ela mesma instrumento para promover ambições particulares: as carreiras políticas de servidores e seus parentes.
A Lava Jato deixou um inestimável legado ao desbaratar casos escabrosos de corrupção e resgatar a confiança dos brasileiros na igualdade de todos perante a lei. Mas, ao colocarem-se acima da lei para combater a corrupção e abusarem de seus poderes para viabilizar seus projetos políticos e inviabilizar os de adversários, os operadores da Lava Jato traíram esse legado. Ao punir corruptos, a Lava Jato elevou a Justiça; ao justiçar políticos, o lavajatismo a desmoralizou.
O corolário aí está. O messianismo punitivista inflamou os humores anti-instituições que catapultaram o bolsonarismo ao poder. Dallagnol fez seu discurso de desagravo ladeado por essa malta. De sua parte, os petistas hoje no poder, sem disfarçar seus ânimos vingativos e seu próprio messianismo, festejaram a cassação de um representante eleito com mais de 300 mil votos como mais um “inimigo do povo” abatido.
A revolução, como se diz, devora seus filhos. Dallagnol usou e abusou da interpretação extensiva das leis para perseguir políticos, a pretexto de regenerar o País de acordo com suas convicções delirantes. Sua derrocada política – por uma sentença juridicamente duvidosa, cuja unanimidade sugere um ânimo punitivista político – é, ironicamente, um emblema dessa desvirtuação. Que ao menos esse desfecho sirva de advertência a quem confunde política com messianismo e justiça com vingança



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