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Política

Política • 14 abr, 2019

“O negócio”, crônica de Ivan Ângelo


 

 

O menino vinha andando pela estradinha de terra como uma gaiola na mão. Dentro tinha um passarinho. Quando chegou perto, o homem que estava dentro de um carro parado falou:

– Ô menino, quer vender esse passarinho?

O menino não vacilou para responder:

– Não senhor.

O homem não queria comprar passarinho nenhum, estava fazendo hora, esperando um amigo.

– Quanto é que você quer pelo passarinho?

O menino olhou para a gaiola e botou o dedo entre as grades, tentando um afago.

– Não estou vendendo não, moço.

O passarinho pulou para lá, recusando o carinho. O menino riu, não importando.

– Dou mil.

O homem mexeu no bolso da camisa e tirou um bolo de notas. Destacou uma de mil e estendeu a mão.

– Vendo não.
O homem não gostou da teimosia do menino e pensou: “que menino chato, sô. Agora eu compro a porcaria desse passarinho de qualquer jeito”. Foi de manso:

– Qual é o nome desse passarinho?

O menino gostou de o homem ter mudado de assunto. Sorriu.

– Ainda não botei nome nele não. Vou pensar ainda.

O homem achou engraçado. Estava perguntando era outra coisa. Riu.

– Ô menino, não é isso, não. Estou perguntando é qual a espécie dele, se é canário, pintassilgo, sabiá…

O menino buscava intimidade com o passarinho, que se recusava com pequenos piados.

– É bico-de-lacre.

O homem pegou o pulso do menino e ergueu a gaiola.

– Ele ainda cresce, não?

O menino balançou a cabeça, meio tímido com a ignorância do homem, e sorriu:

– Cresce nada. Ele é assim mesmo, des’tamaninho.

O homem estava gostando da intimidade que ia ganhando com o menino, esperando a hora de fazer nova proposta.

– Ele canta?

O menino riu de maneira frnaca, abertamente superior.

– Canta nada, moço. Só faz chiar assim, olha.

O passarinho se afastava do menino emitindo pequenos chiados sem melodia.

– Passarinho besta, hem?

O homem queria aquele à-vontade, e gostou quando o menino riu franco para ele.

– É. Não presta pra nada, é só bonito.

Enquanto o menino sorria amoroso do passarinho, o homem pensou: “é agora”, e:

– Dou dois mil por ele.

– Não seinhor, muito obrigado.

– Pra que você quer esse bicho?

– Pra nada não.

– É de estimação?

– Não, pequei agora.

– E então?

– Vendo não.

– Dou cinco mil.

O menino sempre ouviu falar de cinco mil, aquela nota meio rota, como uma coisa importantíssima. Olhou na mão do homem aqueles cinco mil quase impossíveis, hesitou, olhou para o passarinho, viu-o fazer um cocozinho, e a tentação passou. Aquilo era aenas um papel.

– Quero não, moço.

– Dez mil!

– Não senhor.

– Vinte! Não senhor.

– Não vende por que, hem, por quê?

O menino, lá para ele mesmo, sabia por quê. Se o homem olhasse bem para o passarinho, ele ia entender – pensava. Se fosse ele que tivesse feito o alçapão, que tivesse ficado a manhã inteira na espera, se fosse ele que estivesse com aquela fome, só por causa do passarinho, ele ia entender. O homem insistia e o menino explicou como pôde:

– É que eu peguei ele agora e queria ter ele mais um pouquinho. Mostrar para mãe. É o primeiro passarinho que eu pego.

A cara do homem ainda era de espanto quando o menino completou:

– Amanhã eu vendo, se o senhor quiser.

Publicado originalmente na revista Globo Rural




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