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Política • 24 out, 2020

Pelé: 80 anos de uma lenda sob constante escrutínio


Há décadas o Rei do Futebol convive com contestações a sua coroa. Hoje não é diferente. Mas a discussão é só uma pequena parte daquilo que fez dele o maior mito da história do esporte.  

Pelé chega aos 80: “Agradeço a Deus pela saúde de chegar aqui lúcido… não muito inteligente, mas lúcido”

Com a saúde debilitada, Pelé completa 80 anos nesta sexta-feira (23/10), celebrado com status de lenda pelo mundo. Ao mesmo tempo, ele tem sua figura novamente sob escrutínio – dentro e fora dos campos – algo com o que ele aprendeu a conviver ao longo de quase toda a sua carreira.

Uma discussão que acompanha Pelé há décadas é se ele realmente é o Rei do Futebol, ou seja, o melhor de todos os tempos. Para a maioria dos especialistas e brasileiros, sobretudo os que o viram jogar, não há conversa. Para o próprio Pelé, também não. Mas o debate volta e meia reaparece, sobretudo entre os mais jovens, fãs de Lionel Messi.

Também outra discussão costuma ressurgir: sobre sua posição sobre questões sociais. Pelé foi, por exemplo, durante décadas contestado pela falta de combatividade ao preconceito racial. Ao mesmo tempo que era inspiração para negros em todo o mundo, ele adotou durante toda a vida uma posição mais conciliadora sobre o tema, o que entra em conflito com a visão antirracista mais combativa de hoje em dia.

“Só há um Pelé”

“Assim como só houve um Beethoven e um Michelangelo na história, só há um Pelé.” Para muitos, a frase do próprio Pelé reflete o que representa o craque brasileiro. Sua figura foi, durante muito tempo, não só sinônimo de futebol, mas às vezes também maior que ele.

Pelé foi nomeado o Atleta do Século, agraciado como cidadão do mundo pelo Unicef, condecorado Cavaleiro da Legião de Honra da França e é um dos poucos estrangeiros a receber o título de “Sir” do Reino Unido. O Rei do Futebol chegou a interromper uma guerra e é o único jogador que conquistou três vezes a Copa do Mundo, além de seguir sendo o maior goleador da história.

Em 1970, a glória: para Tostão, Pelé foi o melhor incontesteEm 1970, a glória: para Tostão, Pelé foi o melhor inconteste

Tudo isso não impede que, a cada efeméride, o debate sobre quem foi o melhor do mundo volte. Se a presença de Diego Maradona nos anos 1980 e 1990 desafiou a hegemonia de Pelé, as façanhas de Lionel Messi em Barcelona intensificaram ainda mais a eterna discussão.

Nestes últimos anos, o debate é acompanhado também da velha ideia, como diz o jornalista e escritor Sérgio Rodrigues na Folha de S.Paulo, de que as proezas de Pelé se deram num tempo em que o futebol era supostamente mais fácil. “Ainda que fosse verdade (não é), faltaria explicar por que era fácil só para ele”, escreve.

O Rei do Futebol trocou farpas com Maradona por anos e mais recentemente procurou minimizar os que consideram que Messi ameaça a sua coroa. Disse que o argentino usa apenas o pé esquerdo e não cabeceia bem, qualidades que Pelé dominava.

A declaração fez alguns erguerem as sobrancelhas na Europa, onde Messi ganhou quatro títulos da Liga dos Campeões e dez do Campeonato Espanhol, com 40 gols ou mais em cada uma das últimas  temporadas.

O argentino tem milhões de torcedores que o apoiam e, ao contrário de Pelé, que jogou antes da televisão ser onipresente e da internet, suas façanhas alcançam bilhões em todo o mundo através das mídias sociais.

“Se você está falando do melhor jogador de todos os tempos, não deveria haver sequer um debate de que é Messi”, disse em maio o comentarista da BBC e ex-atacante da Inglaterra Gary Lineker.

Os argentinos questionam a grandeza de Pelé porque ele nunca jogou por um clube na Europa, e os brasileiros apontam para os números de Messi com a seleção de seu país, vastamente inferior ao de Pelé.

Enquanto o brasileiro venceu três Copas do Mundo, Messi nunca conquistou um título importante com a Argentina, foi vice em três Copas América e em uma final de Copa do Mundo.

“Pelé tinha, no mais alto nível, todas as qualidades técnicas, físicas e emocionais para ser um superatacante. Por isso, era o melhor. Diante das dificuldades, se tornava possesso, uma fera cutucada e enjaulada. Messi não tem as virtudes físicas e emocionais de Pelé”, escreveu nos últimos dias Tostão, companheiro de Pelé na Copa de 1970 e hoje cronista esportivo.

“Fui covarde quando jogava”

As constantes comparações magoavam Pelé, sobretudo quando partiam de seus compatriotas. “Sou brasileiro! Maradona e Messi só chutam de esquerda.” A rejeição por alguns brasileiros parece ter menos a ver com futebol, mas com conservadorismo de Pelé fora de campo.

Com Maradona, em 1987: comparação incomodou o Rei Com Maradona, em 1987: comparação incomodou o Rei

Genial dentro de campo, Pelé se manteve sob os holofotes também fora das quatro linhas, porém, às vezes, não com a mesma habilidade. O eterno Camisa 10 não usou seu status de ídolo nacional, por exemplo, para criticar a ditadura militar no Brasil e o racismo, nem para lutar por melhorias no futebol brasileiro.

“Fui covarde quando jogava. Só me preocupava com a evolução da minha carreira”, ele se desculparia, décadas depois, na época em que foi ministro dos Esportes durante o primeiro governo Fernando Henrique Cardoso.

Pelé começou a ganhar muito dinheiro a partir de 1969, por meio de bons contratos de publicidade. Ele soube usar sua imagem e se transformou no primeiro jogador de futebol garoto-propaganda universal.

A marca Pelé, mesmo mais de 40 anos após ele ter pendurado as chuteiras, alcançou um valor estimado de 600 milhões de reais. Pelé cedeu sua imagem para mais de cem marcas e produtos e participou de campanhas publicitárias, eventos e palestras mundo afora. Calcula-se que somente com a Copa do Mundo no Brasil Pelé tenha lucrado entre 50 milhões e 70 milhões de reais com contratos publicitários.

Famoso também por frases polêmicas, Pelé foi criticado, por exemplo, ao dizer que “brasileiro não sabe votar”, durante o regime militar, ou pela reflexão sobre os gastos com o Mundial no Brasil, em  2013: “Faltam dez meses para começar a Copa. Não vai dar tempo para ver o que foi gasto. Então vamos aproveitar para arrecadar com turismo e compensar o dinheiro que foi roubado dos estádios.”

Racismo e um dilema

Nesta data, sua omissão sobre questões raciais também é lembrada pela imprensa brasileira. O jornal O Globo, por exemplo, aponta um dilema: ao mesmo tempo que sofria com o preconceito, o Rei do Futebol conviveu com críticas por sua postura em relação a ele.

Pelé, escreve o jornal, defendeu por muito tempo que havia democracia racial no Brasil. E foi com base nessa visão, em muito aceita na época, que por décadas ele esquivou-se de uma postura mais combativa.

Historiadores, no entanto, lembram que muito do que Pelé fez ou tentou fazer fora desse lado de atleta costumava receber críticas e que é importante entender o contexto histórico das declarações que ele dava.

Pelé em 1958: anos mais tarde, ele admitiria que era chamado de macaco em campoPelé em 1958: anos mais tarde, ele admitiria que era chamado de macaco em campo

“Ele sabia o risco que corria por qualquer posicionamento que tomasse”, disse Marcelo Carvalho, diretor do Observatório da Discriminação Racial no Futebol ao jornal O Globo. “Em termos do que poderia ser feito, ele fez. A questão é que ele não fez o que gostariam.”

Fato é que Pelé aprendeu a conviver com as críticas. E, lentamente, seu discurso foi mudando com elas. Nos anos 1990, como ministro, pediu que negros votassem em negros por mais representatividade. Nos anos 2000, admitiu em entrevistas que foi chamado de macaco em campo. Recentemente, declarou nas redes sociais apoio ao movimento de protesto pela morte do afro-americano George Floyd.

Segundo assessores, Pelé passará seu aniversário de 80 anos sem festa, apenas próximo a familiares, recluso em sua mansão no Guarujá, onde se refugia há meses da pandemia de coronavírus.

“Agradeço a todos os que me mandaram cumprimentos. Agradeço a Deus pela saúde de chegar aqui lúcido… não muito inteligente, mas lúcido”, brincou o Rei do Futebol, em vídeo divulgado na quinta-feira.

Sua mensagem, no vídeo enviado ao jornal Estado de S. Paulo, é de otimismo, de agradecimento e reconhecimento por tudo o que fez. Pelé pede desculpas às pessoas que ele possa ter magoado ao longo da vida, no futebol ou fora dele.

Fonte – DW – Made for Minds




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