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Artigos • 17 abr, 2025

Diga com que cachorro andas e direi quem és


por Carlos Castelo – 

Este texto tem por objetivo registrar alguns tipos de personalidade canina observados em ambientes urbanos, sobretudo em parques, calçadas, praças e postes. As categorias aqui descritas são empíricas e não valem para fins veterinários. Longe de propor um tratado comportamental definitivo, esta pequena tipologia busca capturar traços recorrentes da fauna canina — revelando, talvez, mais sobre os donos do que sobre os próprios cães.

A primeira categoria analisada é o Tipo Afghan Hound. Este espécime transita pelo parque com a postura de quem acredita estar numa exposição canina internacional. Seus movimentos são comedidos, quase coreografados, e sua atenção, seletiva: só retribui olhares de cães que apresentam penteado compatível. Brincadeiras improvisadas, contatos físicos inesperados e cheiradas muito entusiasmadas são recebidas com um recuo esnobe e um latido breve — que mais parece uma nota de repúdio.

Em contraste, temos o Tipo Vira-Lata. Trata-se de um cão simpático, mas regido por uma ética de comportamento livre, não compatível com os padrões da civilização. Cavoca o quintal dos vizinhos, late para o vento e considera a casa alheia um espaço público. É atrapalhado: erra os saltos e, às vezes, se esquece de que está amarrado. Quanto aos comandos, os reconhece — mas apenas para decidir se vai fingir que não ouviu. É um anarquista, com instinto caótico e charme suficiente para transformar a desobediência em estilo de vida.

Tipo Labrador apresenta um comportamento excessivamente otimista: abraça a vida com um entusiasmo que beira a diplomacia. Não distingue amigo de estranho, coleira de gente, gato de presidente da república — tudo é afeto em potencial. Ao encontrar um novo humano, joga-se ao chão com uma alegria tão intensa que chega a constranger. Derruba idosos com o mesmo carinho com que derrubaria uma almofada. É, essencialmente, um coração com quatro patas e nenhum freio. Vive em estado permanente de festa-surpresa.

Temos então o Tipo Chihuahua, que é, em essência, uma máquina de guerra adaptada a um corpo de anão. Vive em alerta constante, como se a qualquer momento precisasse defender sua honra, sua dona ou a soberania nacional. Late com força inversamente proporcional à sua falta de tamanho e parece convencido de que poderia, sozinho, impedir uma invasão de zumbis. O tremor contínuo pode ser interpretado como raiva, medo ou excitação — talvez os três juntos. Não quer carinho, quer respeito.

Por fim, o Tipo Bulldog Inglês se destaca não por suas ações, mas por sua absoluta recusa em participar delas. Senta-se à sombra como quem espera um café que nunca vem. Seu olhar longínquo transmite uma filosofia inatingível, algo entre “não é da minha conta” e “isso não me diz respeito”. Interage pouco, dorme muito, ignora quase tudo. Quando resolve se mover, parece fazê-lo com grande pesar. Sua relação com o mundo é discretamente antipática.

Esses tipos revelam muito sobre a complexidade da psique canina e, por tabela, sobre a condição humana. Afinal, quem nunca foi um pouco Afghan Hound em galerias de arte, vira-lata no churrasco, labrador no Réveillon, chihuahua no trânsito ou bulldog inglês às segundas-feiras?

(Publicado no Estadão)




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