Drauzio Varella era um médico cancerologista formado pela USP. Dirigiu o serviço de Imunologia do Hospital do Câncer em São Paulo por duas décadas. Foi um dos primeiros a tratar a Aids no Brasil. Publicou 15 livros. Com conhecimento colossal e aptidão para a divulgação científica, se tornou uma das maiores autoridades em medicina no país.

De uma hora pra outra, no entanto, Drauzio resolveu opinar sobre vôlei.

Drauzio nunca havia jogado vôlei.

Criou um canal no Youtube e, no primeiro vídeo, teve a coragem de dizer a verdade abafada pelos barões que controlam o esporte internacional. Drauzio defendeu um vôlei jogado sem as mãos.

O vídeo repercutiu e alçou Drauzio a porta-voz de uma minoria silenciada. Foi convidado a programas como contraponto a jogadores renomados, medalhistas olímpicos, que defendiam o uso das mãos nos jogos de vôlei. Afinal, era preciso ouvir os dois polos do debate.

A discussão ganhou corpo e uma multidão ameaçou invadir o Maracanãzinho caso a ditadura das mãos não fosse revogada nos jogos de vôlei. Foram apontados indícios de fraudes em jogos importantes que foram vencidos com o uso das mãos. Cartazes foram erguidos com frases como “our volleyball rules are dictator” e “mãos ao alto, você já foi assaltado”. Manifestantes exigiram a destituição imediata das seleções masculinas e femininas.

Drauzio gravou um segundo vídeo defendendo que a bola de vôlei deveria ter liberdade de escolha. O bloqueio seria uma imposição ditatorial? O saque interferia no arbítrio daquela esfera que estava estacionada em paz no canto da quadra?

Drauzio foi convidado a programas esportivos como contraponto a jogadores renomados, medalhistas olímpicos, que defendiam que os atletas teriam o direito de interferir no curso natural da bola.

Como comentarista de vôlei, Drauzio ficou muito rico. Seus vídeos viralizaram e renderam fortunas em anúncios. Milhares se tornaram assinantes do seu site drauziovoleilivre.com.br. Drauzio foi contratado como comentarista para alavancar a audiência de uma rádio e de uma rede de TV. Encantou multidões com sua coragem de atacar Bernardinho, que passou anos induzindo os jogadores de vôlei a usarem as mãos. Escreveu livros mostrando como a imposição de regras cerceava a liberdade de infringi-las.

Foi uma guinada inesperada, mas sintonizada com o espírito do tempo. Todo mundo entendeu quando Drauzio largou a medicina.

*Publicado na Folha de S.Paulo