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Artigos • 26 maio, 2025

O evangelismo dá o tom


(por  Gaudêncio Torquato) –

Quem imaginaria, há duas décadas, um pastor evangélico fazendo discursos eleitorais inflamados em palanques e usando o dinheiro de fiéis para financiar eventos políticos? Pois Silas Malafaia, líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, faz isso. Representando cerca de 90 mil igrejas evangélicas, com 74 milhões de seguidores (36% da população), ele transforma púlpito em palanque e escancara os objetivos políticos do evangelismo: manter uma plataforma conservadora no Congresso, eleger bancadas evangélicas nos Estados e, futuramente, conquistar o Palácio do Planalto. Os cultos já assumem abertamente o engajamento político.

Quem diria que a Frente Parlamentar Evangélica, com 200 deputados e 8 senadores, seria hoje a mais disputada do Congresso? O presidente Lula, atento ao peso político do grupo, tenta atraí-lo à sua base, temendo seu poder nas eleições de 2026.

A pauta dos evangélicos inclui temas como direitos sexuais, violência contra a mulher, concepção de família e pautas antigênero. Suas armas são mídias próprias e espaço privilegiado em canais de TV. O mercado da fé virou um negócio lucrativo, movimentando cerca de R$ 25 bilhões por ano.

Apesar da imunidade tributária, parte das igrejas acumula dívidas, hoje em R$ 420 milhões. A Igreja Internacional da Graça de Deus, de Romildo Ribeiro Soares, lidera o ranking dos devedores, com cerca de 3.000 templos em 11 países.

Esse império exerce forte influência sobre o pensamento nacional. Usa uma máquina de cooptação movida pela fé do povo simples. Liturgia planejada, discursos catárticos, hinos cantados por fiéis em êxtase, exorcismos e curas — tudo compõe um teatro religioso poderoso. Pastores dominam a arte da catarse coletiva, muitos estudaram retórica ou teologia, conhecendo técnicas de manipulação das massas.

O historiador italiano De Felice, ao estudar Mussolini, escreveu: “Os efeitos psíquicos de uma gesticulação delirante são comparáveis aos de uma intoxicação… provocam vertigens e, enfim, inconsciência total.” Tal descrição encaixa-se perfeitamente aos cultos que hoje ocupam espaços diurnos na programação televisiva, invadindo bairros periféricos onde há múltiplas igrejas por quarteirão.

Não se deve subestimar o preparo dos pastores. Alguns têm formação em centros teológicos, outros aprimoraram seu discurso em cursos de oratória. A política, por sua vez, se rende à força do rebanho evangélico. Brasília já não pertence só aos políticos — tornou-se também passarela da fé.

Enquanto isso, os templos, onde fiéis louvam o Senhor, também funcionam como escritórios que prometem pedaços do céu em troca de dízimos.

Gaudêncio Torquato –

Escritor, jornalista, professor emérito da ECA-USP e consultor

 




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