Campo Grande, 18/11/2025 00:46

Blog do Manoel Afonso

Opinião e atitude no Mato Grosso do Sul

Artigos

Artigos • 08 out, 2025

O GRÃO QUE ENGOLE A FLORESTA


(por Hayton Rocha) – (Blog do Zé Beto) – 

Navios já não precisam do mar. Ancoram em terminais que surgem no meio do nada, onde antes só havia floresta ou o mugido de boi faminto. Ali, o vazio virou mar de verde oleaginoso. A soja — grão anônimo, sem a nobreza dourada do trigo que vira pão nem a poesia da uva que se entrega em vinho — ergueu-se como soberana invisível da economia brasileira. Uma rainha discreta, mas implacável, capaz de mover exércitos, redesenhar mapas e trocar árvores por cifras.

Dela se faz óleo, leite, tofu, carne vegetal, ração para bois e peixes, cosméticos e até biodiesel para movimentar os caminhões que a transportam. Um grão que, triturado, vira tudo, menos mata virgem. É a semente que dá lucro, mas arranca raízes sem piedade.

O mundo inteiro mastiga soja sem notar. O frango no prato chinês, a ração do suíno europeu, o hambúrguer vegano embalado em discurso de salvação planetária — todos temperados com a febre que se espalha do Cerrado à Amazônia. Onde antes havia floresta, agora há campos verdes que se multiplicam feito metástase. Cada safra é anunciada como recorde — e a próxima, ninguém duvida, também será.

A fronteira agrícola se comporta como exército em marcha lenta: começou pelo Sul, ocupou o Centro-Oeste, parte do Nordeste, e agora se insinua pelo coração úmido da Amazônia. Cada ponte inaugurada, cada estrada pavimentada, cada porto em projeto é uma trombeta anunciando a chegada da tropa. A BR-319, que corta o Amazonas como faca esquecida na manteiga, é o próximo alvo. Agricultores a veem como promessa de frete barato. Ambientalistas, como convite ao apocalipse.

A soja já dança no salão principal da economia, estrela maior do agronegócio — este, sim, responsável por um quarto do PIB —, dama imponente do banquete brasileiro. Como toda dama de vestido longo, ela exige espaço, luxo e palmas. O pacto que deveria conter seus excessos — a moratória da soja — tropeça entre suspeitas de cartel e promessas vazias. A União Europeia tenta fechar a porta, os estados escancaram janelas, e a Justiça assiste, feito árbitro de futebol acuado em pelada na favela.

Há quem diga que é simples: basta cumprir a lei, que já exige preservar 80% da vegetação nativa na Amazônia. Mas grileiro nunca trabalha com simplicidade. Derruba árvores na esperança de que, amanhã ou depois, a regra mude, a fiscalização cochile, a floresta seja esquecida. O crime, aqui, é investimento seguro: cheque pós-datado. Desmata-se hoje para colher fartura de amanhãs. Continue lendo 

Compartilhe



Deixe seu comentário