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Artigos • 27 abr, 2025

O Papa é bom


Para Marília Fiorillo, apenas o papa João XXIII superou o papa Francisco em popularidade e afeição

 

( Jornal da USP) – A edição desta coluna da professora Marília Fiorillo é, toda ela, dedicada ao papa Francisco, cujo velório acontece em Roma. Ela abre sua coluna observando que a comoção provocada pela morte do papa Francisco “foi, para devotos e até não devotos, o luto pela morte de um verdadeiro cristão preocupado com a injustiça social, com a segregação dos imigrantes, a matança na Palestina, a guerra na Ucrânia”. Para a colunista, só um outro papa o superou em popularidade e afeição por motivos parecidos: o italiano Angelo Giuseppe Roncalli, que passou para a história com o nome de João XXIII.

“Reformistas moderados, tanto o argentino Bergoglio como o italiano Roncalli não davam muita bola para a pompa do cargo, para as intrigas da Cúria ou para o galardão de chefe da instituição mais longeva e influente do mundo. Nenhum partido ou ideologia usufruiu de tamanho inabalável poder durante 2000 anos, só a Igreja Católica. Esse aspecto tem sido comentado à exaustão, mas há outra afinidade entre Bergoglio e Roncalli: o bom humor. Vale ler o ensaio de Hannah Arendt sobre João XXIII, na coletânea Homens em Tempos Sombrios, título, aliás, emprestado de um poema de Brecht. Arendt discorre sobre os diários espirituais de Roncalli, que define como um livro didático sobre como fazer o bem e evitar o mal. Simples assim.”

“Muitas anedotas corriam na época de João XXIII sobre ele e que mostram o que as pessoas comuns pensavam a seu respeito. Uma delas é sobre um grupo de encanadores que fazia consertos no Vaticano. Um dos encanadores não parava de praguejar, usando os nomes de toda Sagrada Família. Roncalli foi até o ‘boca suja’ e delicadamente perguntou: ‘Você tem de fazer isso? Não pode apenas dizer merda, como nós?’ Como Bergoglio, e mais atrevido, Roncalli escreveu, em 1948, dez anos antes do seu pontificado, ‘a descortesia com os humildes me faz contorcer de dor’ e investia contra ‘os sabichões deste mundo e mentes astutas’, inclusive as da diplomacia do Vaticano, que fazem má figura diante da graça e singeleza de Jesus.”

“Outra história sobre sua audiência com Pio XII, quando ele era um núncio recém-indicado, em 1944; Pio XII estava com pressa e avisou que só tinha sete minutos para ele. Roncalli não se abalou – ‘nesse caso, os seis minutos restantes são supérfluos’. João XXIII desprezava algumas convenções, para desespero dos conservadores. Comenta-se que tentaram proibi-lo de passear à vista do público pelos jardins do Vaticano. Ele ironizou: ‘Mas por que as pessoas não deveriam me ver? Eu não me comporto mal, comporto?’ A melhor das histórias aconteceu num banquete do corpo diplomático. Um dos convivas, um certo senhor N, para deixá-lo embaraçado, passou pela mesa a foto de uma mulher nua. Roncalli não titubeou. Ao receber a foto, comentou polidamente: ‘Ah, é a senhora N, suponho’. Esse era il papa buono. Como é buono o Francisco de agora, um papa bom e um papa que sabe rir”, finaliza Marília.

Por Marília Fiorillo


Conflito e Diálogo
A coluna Conflito e Diálogo, com a professora Marília Fiorillo, vai ao ar quinzenalmente sexta-feira às 8h, na Rádio USP (São Paulo 93,7; Ribeirão Preto 107,9 ) e também no Youtube, com produção da Rádio USP, Jornal da USP e TV USP.

Fonte – Jornal da USP




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