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Artigos • 08 dez, 2021

Ou Sérgio Porto adivinhava o futuro, ou é o Brasil que nunca saiu do passado


“Foi em Diamantina…”, falei, e não consegui continuar, porque a frase bastou pra família inteira começar a cantar “…onde nasceu JK/Que a princesa Leopoldina arresorveu se casá”. Aliás a família toda, não: só a velha guarda. A nova geração observava perplexa o transe coletivo. “Joaquim José/Que também é/Da Silva Xavier/Queria ser dono do mundo/E se elegeu Pedro 2º.” Só pararam no refrão: “O, ô , ô, ô, ô, ô, O trem tá atrasado ou já passou”.

Stanislaw Ponte Preta não foi um personagem nem um escritor, mas uma espécie de espírito zombeteiro que baixou em Sérgio Porto. Incorporado, realizou o sonho oswaldiano: serviu às massas o biscoito fino da autoironia. Devora-me ou devoro-me. Sua antropofagia começava por deglutir a si mesma.

“Se Vinicius de Moraes não fossem muitos, se chamaria Vinicio de Moral” dizia a Tia Zulmira, heterônimo do Stanislaw Ponte Preta, que por sua vez era um heterônimo do Sérgio Porto. Sim, os heterônimos de Sérgio tinham, por sua vez, heterônimos. Quando falava sobre Vinicius, falava sobre si mesmo: devia se chamar Sergius Portos. Sérgio criou Stanislaw, que criou o Primo Altamirando, Rosamundo e Bonifácio, o falso patriota —um bolsonarista “avant la lettre”.

“Boêmio que gosta de ficar em casa”, fazia jornada dupla. “Era, como quase todos os humoristas brasileiros, um trabalhador braçal”, dizia o Millôr. Porto escreveu, por dois anos ininterruptos, duas crônicas diárias. Pra ser justo, dividia o trabalho com o Stanislaw: cada qual escrevia uma. O problema é que as duas almas ocupavam o mesmo corpo. Espaço não faltava: Sérgio Porto era alto e corpulento. Radialista e apresentador de tevê (antes de existir tevê) ocupava, nas horas vagas —tinham horas vagas?– a função de goleiro do Lá Vai Bola, time de futebol de praia que contava, na linha, com Heleno de Freitas e João Saldanha.




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