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Artigos • 12 set, 2023

Por que Lula insiste em bajular tiranetes?


(por Joel Pinheiro da Fonseca, na FSP) –

Cria-se um ruído desnecessário com quem vê democracia e direitos humanos como valores centrais

“Of course.” (“É claro.”) Foi a resposta seca —alguns interpretaram como incrédula— da jornalista ao ouvir o presidente Lula, na Índia, afirmar sem meias palavras que descumpriria a decisão do Tribunal Penal Internacional que pede a prisão de Vladimir Putin.

O que é claro é que a aplicação dessa decisão, caso Putin viesse ao Brasil, não seria nada trivial. Um chefe de Estado —e ainda de uma potência militar— chega para uma reunião e sai algemado? Não é o tipo de coisa que se faz assim com leveza. Mas é também, como o próprio Lula foi obrigado a reconhecer no dia seguinte, uma decisão que cabe à Justiça.

Putin, por sua vez, sabe dos riscos que corre se começar a viajar por aí —e um mandado de prisão expedido por um tribunal é o menor deles. Não deve sair de casa tão facilmente. Ou seja, muito barulho por nada.

A questão é mais profunda: o que ganhamos com esse tipo de manifestação de Lula? Essa bagunça, esse vai e volta, nos beneficia de que maneira? Criamos um clima mais amistoso com Putin e grupos que o apoiam. Ao mesmo tempo, criamos mais um ruído desnecessário, aí sim, com todo mundo que vê na democracia e nos direitos humanos como valores centrais.

E talvez essa seja a pergunta que caiba fazer agora: na sua busca pela política externa “não alinhada”, Lula está disposto a se desalinhar dos direitos humanos?

“Temos de ter cuidado para que o discurso de direitos humanos, por mais válido que seja, transforme-se em uma arma política para aqueles que se incomodam com o fortalecimento e o crescimento econômico do mundo em desenvolvimento.” Essa fala não veio do ministro da Economia ou da Agricultura, preocupados em fazer negócios. Veio do nosso ministro da Cidadania e Direitos Humanos, em entrevista para o UOL.

A condenação de Putin, cabe ressaltar, não é mera perseguição internacional de capangas dos EUA (que aliás não aceita o TPI); ela decorre do fato de que o governo russo cometeu crime de guerra ao deportar crianças ucranianas para a Rússia em territórios ocupados.

Com sua vitória em 2022, Lula foi aclamado, celebrado pelas nações desenvolvidas do mundo democrático, que receberam sua eleição como uma lufada de esperança. Mas parece ansiar mesmo é pela amizade de qualquer tiranete subdesenvolvido que reproduza discurso da Guerra Fria.

Não aprendemos nada com o vexame que foi nossa relação amistosa com o Irã em 2009 e 10? Defendemos o programa nuclear iraniano, recebemos o então presidente Ahmadinejad de braços abertos, passamos vergonha ao relativizar sua negação do Holocausto e a homofobia de seu governo, e não ganhamos nada.

A democracia liberal está longe de ser perfeita. Mas é também, de longe, a organização social e política que mais nos aproxima de uma sociedade mais justa, estável, solidária e próspera, especialmente os mais vulneráveis. E está sob ataque: tanto interno, com movimentos que buscam corroer suas bases, quanto externo, na forma de regimes autocráticos que se afirmam com cada vez mais desenvoltura —a guerra expansionista da Rússia é o maior exemplo disso.

Buscar comércio e diplomacia com todos é um fim nobre. Distanciar-se dos EUA quando ele promove invasões e regimes brutais, idem. Mas tornar esse distanciamento um cacoete automático, que resvala para a defesa de ditadores toda vez que o presidente fala de improviso, é preocupante. Se forem só palavras ao vento, geram um ruído desnecessário com nossos reais aliados de quem podemos obter reais vantagens. Se indicarem um direcionamento real futuro, são prelúdio de um fracasso ético e econômico.

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