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Artigos • 03 mar, 2019

Reforma da Previdência, uma retrospectiva do futuro


Versão ‘heroica’ sustenta teto de gastos

Normal é Congresso revisar e diluir

 Impacto inicial pode ser recessivo

José Paulo Kupfer

José Carlos Kupfer

Ainda vai longe a deglutição e o debate sobre a reforma da Previdênciaencaminhada ao Congresso pelo governo Jair Bolsonaro. É bem possível que, ao longo desse debate, aumente aos poucos a convicção de que, se a reforma Bolsonaro/Guedes pega os mais ricos, não deixa também de pegar os menos ricos e até os mais pobres.

Natural, diga-se logo, que seja assim. Em sistemas previdenciários de repartição simples, como é o caso brasileiro, em que as contribuições dos trabalhadores da ativa garantem os benefícios recebidos pelos inativos, reformas previdenciárias só são necessárias se o volume de contribuições vai se tornando com o tempo insuficiente para cobrir o total de benefícios devidos, como também é o caso brasileiro.

Nessa situação, qualquer reforma só pode ter um objetivo, que se concretiza em 2 eixos combinados: alongar o tempo de contribuição e reduzir o volume de benefícios. É o que pretende a reforma descrita na PEC 6/2019, agora entregue ao Congresso.

No cômputo do próprio Ministério da Economia, a economia de gastos –perdas, na ótica dos segurados–, sem considerar a reforma dos militares, prometida para daqui a um mês, somam R$ 1,1 trilhão em 10 anos e R$ 160 bilhões em 4 anos. Incluindo a reforma do “sistema de proteção social” dos militares, os valores subiriam para R$ 1,2 trilhão em 10 e R$ 190 bilhões em 4 anos.

A partir desses valores de referência, é possível tentar, como diria Bolsonaro, uma “retrospectiva do futuro” sobre os impactos da reforma na economia. Spoiler: a presunção de que a reforma da Previdência é um “tudo ou nada” para a correção dos desequilíbrios e a volta de um crescimento robusto parece se assentar mais em crenças, derivadas de ideologias econômicas, do que em fatos.

Mesmo na hipótese “heroica” de que a PEC 6 passe intacta pelo Congresso até sua aprovação em prazo relativamente curto, a deflagração de ciclo virtuoso acenado por muitos tão cedo não daria o ar da graça. Essa suspeita é ainda mais forte quando se sabe ser mais provável que a prevista economia de gastos sofra alguma desidratação antes da aprovação no Congresso.

Dada a inclusão na proposta de uma quantidade razoável de bodes na sala, estima-se o alcance efetivo da redução de despesas a algum montante entre R$ 500 bilhões e R$ 800 bilhões.

A economia cheia de R$ 1 trilhão, segundo simulações do economista Manoel Pires, pesquisador associado do Ibre/FGV, é compatível com a sustentação do teto de gastos públicos, adotado no governo Temer. “O teto precisa entre R$ 15 bilhões e R$ 20 bilhões por ano para se manter”, explica Pires.

Com a reforma, pelas contas do economista, haveria redução crescente de despesas, começando com R$ 10 bilhões em 2019, se for aprovada logo no início do 2º semestre, e progredindo até R$ 212 bilhões em 2029. O que faltaria cortar de despesas para atender às necessidades do teto, em 2019, viria de outras rubricas, como a medida provisória de combate a fraudes no INSS, publicada em janeiro.

Daí em diante, a economia prevista na hipótese “heroica” da reforma previdenciária garante o teto e a estabilização da trajetória da dívida pública.

Este seria um cenário propício para a recuperação da confiança empresarial, capaz de desencadear um novo ciclo de investimentos, emprego e crescimento da economia. Corrobora o cenário a perspectiva de redução das taxas de juros, na esteira de valorizações do real que resultariam da reversão da trajetória da dívida e do deficit públicos. Moeda valorizada tende a moderar a inflação e abrir espaços para cortes nos juros.

Mas a narrativa virtuosa da reforma previdenciária esbarra em uma variedade de obstáculos. O 1º deles chama a atenção para o fato de que o aumento do valor e do tempo das contribuições para a aposentadoria expressa uma espécie de aumento de carga tributária, que contribui para a redução da renda disponível. “O impacto inicial da reforma pode ser recessivo”, avalia o ex-ministro Nelson Barbosa.

Para Barbosa, enquanto não houver reação da demanda, a recuperação da confiança e do investimento continuarão como uma hipótese em geral não comprovada historicamente de uma dada linha de pensamento econômico. “Confiança não paga a conta”, diz ele.

Nelson Barbosa teme, além disso, que a altíssima expectativa em relação à reforma sofra uma reversão acima da que poderia ser considerada normal com a provável desidratação do texto original da PEC 6. Na opinião do ex-ministro, é uma possibilidade real que a reforma aprovada acabe menor do que a apresentada originalmente pelo governo.

“Revisão de propostas do governo pelo Congresso é o padrão numa democracia”, destaca ele. Entre os candidatos à revisão pelo Congresso, Barbosa menciona a transição muito rápida e o pedágio muito forte para os que estão perto da aposentadoria, assim como as regras para aposentadoria rural e as de concessão de benefício a idosos pobres.

O ambiente de momento, de todo modo, não é exatamente propício a um deslanchar da atividade econômica, a partir da retomada de investimentos, com base na recuperação da confiança no futuro, a partir de uma reforma previdenciária. Até porque confiança e investimentos, antes de quaisquer outros estímulos, reagem ao horizonte de demanda existente.

Quanto a esse quesito, o clima não é dos melhores. A demanda privada doméstica, com desemprego ainda muito elevado e absorção quase integral de mão de obra apenas pelo mercado informal de trabalho, não é fator de impulso. A demanda pública, não só pela crise fiscal, mas também pelas convicções da equipe econômica, está proibida de avançar. E a demanda externa vive tempos de incerteza, com sinais de expansão frágil da economia global.

Falar nisso, justamente às vésperas do anúncio da reforma da Previdência, a saída parcial da Ford do Brasil, com o fim da produção de caminhões e o fechamento da histórica fábrica da Ford em São Bernardo do Campo (SP), bem como as ameaças da GM de seguir o mesmo caminho, às vésperas do anúncio da “ambiciosa” reforma da Previdência, não são um bom sinal.

Depois de 5 anos de recessão ou quase recessão, a reforma da Previdência pode ser necessária para destravar a economia. Mas não é, com certeza, suficiente. Por José Carlos Kupfer

José Paulo Kupfer

José Paulo Kupfer

José Paulo Kupfer, 70 anos, é jornalista profissional há 51 anos. Escreve colunas de análise da economia desde 1999 e já foi colunista da Gazeta Mercantil, Estado de S. Paulo e O Globo. Idealizador do Caderno de Economia do Estadão, lançado em 1989, foi eleito em 2015 “Jornalista Econômico do Ano”, em premiação do Conselho Regional de Economia/SP e Ordem dos Economistas do Brasil. Também é um dos dez “Mais Admirados Jornalistas de Economia”, nas votações promovidas pelo site J&Cia. É graduado em Economia pela Faculdade de Economia da USP. Escreve para o Poder360 semanalmente, às sextas-feiras.




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