Campo Grande, 13/05/2025 05:47

Blog do Manoel Afonso

Opinião e atitude no Mato Grosso do Sul

Artigos

Artigos • 01 maio, 2025

Velozes e ruidosos


por Carlos Castelo –

Durante muito tempo, acreditou-se que a Terceira Guerra Mundial aconteceria entre superpotências nucleares. Ou, no mínimo, entre fumantes e não fumantes. Mas o mundo mudou. Os cigarros migraram para séries noir dos anos 50 e os conflitos urbanos ganharam novas frentes. Hoje, quem vive em cidades como São Paulo sabe que a guerra real é entre motoboys e os outros seres vivos da cidade.

O conflito simplesmente teve início com um motoqueiro acelerando entre carros parados, levando um combo de cheddar bacon com batata grande. Se no passado as trincheiras estavam na Normandia, agora elas ficam na avenida Paulista, entre uma faixa de pedestre e um Uber tentando fazer retorno proibido. Os combatentes usam capacete e se mobilizam numa pressa vinda do apocalipse. São entregadores de comida, de documentos, remédios.

Esses batalhões não seguem as leis da Física. São capazes de caber entre um poste, um ônibus e um automóvel. Suas máquinas de guerra fazem barulhos insuportáveis e as buzinadas são longas, insistentes, agudas.

A estética da conflagração também mudou. Não há mais camuflagem, só a jaqueta preta surrada, o capacete com adesivo do time e a mochila quadrada do iFood. O campo de batalha não é delimitado por fronteiras políticas, mas por bairros.

Na III Guerra, não há aliados. Cada motoboy é por si. Na melhor das hipóteses, formam alianças momentâneas, parados no sinal vermelho, dividindo cigarros e reclamações. Praguejam contra o congestionamento, o preço da gasolina, do cliente que pediu sem cebola e depois reclamou que veio sem gosto. E ainda contra o aplicativo que paga com centavos e exige estrelas. Porque, sim, nesta luta renhida o inimigo mais cruel ainda é a avaliação de desempenho.

Do outro lado do front, os civis — motoristas, pedestres, ciclistas — tentam sobreviver como podem. Os carros andam com os retrovisores retraídos. Os pedestres atravessam correndo as ruas. Os ciclistas, por seu lado, são a grande vítima dessa guerra: os neutros que acabam sendo atropelados por ambos os lados.

Mesmo assim, é natural que existam entregadores gentis. Mas são exceção. A regra é o grito, a fechada súbita, a manobra em zigue-zague que faria Vin Diesel borrar as calças.

E o mais curioso é que ninguém preparou a sociedade para o que está ocorrendo. As autoescolas não ensinam a arte de não ser surpreendido por uma motocicleta que surgiu de um ponto cego inacessível ao olhar. Não há sinalização que proteja, não há retrovisor que salve.

No frigir dos ovos (no azeite e sem pimenta do reino), a III Guerra é apenas o reflexo acelerado das cidades que criamos. Metrópoles onde o motoboy virou o elo entre o caos e seu almoço. E ele, convenhamos, não é vilão, nem herói. Somente o único que entendeu que o jogo é correr, entregar e torcer para não perder estrelas. Porque, o seu inimigo mais perigoso não está no trânsito. Está no aplicativo.

(Publicado no Estadão)




Deixe seu comentário