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Política

Política • 11 maio, 2019

Quisera ser um avestruz (artigo)


Vivemos tempos de supervalorização das opiniões pessoais e isso foi muito potencializado a partir principalmente das redes sociais. Longe de significar liberdade de pensamento crítico, de participação, elas engrandeceram uma espécie de fogueira das vaidades em ambiente digital. Foi nesse ambiente também que o “achismo virou ciência”, expressão que uma amiga costuma usar e que define perfeitamente o momento atual.

“Respondo que ele aprisiona, eu liberto; Que ele adormece as paixões, eu desperto”. (Aldir Blanc e Cristóvão Bastos – 1980 – Na interpretação de Nana Caymmi, da trilha sonora da minissérie de TV “Hilda Furacão”).

Já faz tempo que decidi separar preferência artística – musical, em especial – da crítica política e social. Embora tenha todo o direito, enquanto consumidora cultural de fazê-lo e quanto mais admirar a pessoa e a verdade do artista, maior será essa preferência, mas optei por encarar o tema de uma forma leve. Versos como o do saudoso Belchior – “sons, palavras são navalhas e eu não posso cantar como convém, sem querer ferir ninguém” – são para emoldurar e pendurar na parede. Para colocar no caminho em que a gente vá passar e ler todo santo dia.

Artista é gente como a gente, enfiado lá no seu contexto umbilical de relações sociais e vai expressar, senão na arte em si, mas nas suas entrevistas, exposições e opiniões, esse universo em que está mergulhado e interage. É decisão dele se vai “cantar” com toda criatividade – e empatia – só o seu próprio meio ou se vai acender uma luz de visibilidade sobre outros meios, outras dores ou alegrias que não apenas as suas, dentro de como ele gostaria que esse mundão velho sem porteiras funcionasse. Ele tem conhecimento e literatura para tanto. Claro que todo artista, por mais que preserve a intimidade, é um comunicador, seja com um microfone na mão, diante de uma plateia ou de uma multidão. Sendo esse comunicador, tem também sua carga de responsabilidade social com o que diz e a forma como se manifesta, mas, assim como todos nós, possui uma dose cavalar de natureza humana gritando dentro dele.

Quando não concordarmos com as opiniões dos nossos “ídolos”, criticamos, arquivamos bem guardadinho na memória esse fato ou o ignoramos. Mas, vá por mim, tem horas em que é preciso separar a música e a poesia da realidade da pessoa que escreveu ou canta os versos. Puro instinto de sobrevivência! Torna menos dolorosas as decepções. Sabe por quê? A relação que a gente intimamente estabelece com uma canção, um poema ou outra forma de expressão da arte tem referências ancoradas nos nossos sentimentos, nas lembranças… As palavras e expressões que o artista universalizou a partir da sua própria experiência provocam o rebuliço de uma infinidade de coisas na alma da gente, que ele ou a sua opinião sobre o que quer que seja, me desculpem os mais orgulhosos do seu trabalho, se tornam um mero detalhe.

Quando a gente se apropria de uma canção, de um verso, de um poema, essa arte fica tatuada na nossa personalidade e a cada vez que ouvimos os versos e as versões, a nossa memória nos remete ao endereço que criamos para ele e traz de volta sensações, cheiros, sabores e emoções que o artista jamais sonhou vivenciar. Posso discordar e entender a crítica do artista, no sentido de saber que ele fala tal coisa porque vive e lê a realidade diferente dos meus olhos nessa arena eterna da luta de classes Casa Grande & Senazala, mas preservo e blindo a obra de arte dele nessa hora pra evitar tamanha “sofrência”.

Não nego que já boicotei por um tempo alguns afoitos e vaidosos e decidi virar a página de vez em outros casos, pois não farão a menor falta no meu repertório da faxina. Caetano Veloso, que, junto com o idolatrado salve-salve Chico Buarque, preencheu de sons e de MPB toda a minha adolescência, já foi motivo de inúmeros protestos por suas opiniões contundentes e alardeadas pelos quatro cantos como verdade incontestável. Ele personifica uma gangorra infinita de manifestações, que considero até contraditórias algumas vezes. Lá nos idos de minha juventude rebelde, resolvi abandonar a audiência. E olha que ouço Caetano desde os LP’s – quem não sabe o que é, busque no Google – da radiola da casa da minha mãe. Radiola e vitrola também são termos facilmente encontrados nos sites de busca. E ainda achava disposição para gravar suas canções em fitas K-7 e ouvir nos “modernos” aparelhos de som do tipo três em um.

Mais ou menos de 1994 a 1998, abandonei o baiano, mas nunca a irmã dele. Esta, seja por cantar de dor de cotovelo a Heitor Villa Lobos ou por recitar Fernando Pessoa, não sai da minha playlist de músicas favoritas. Mas o Caetano ficou por quatro anos de molho no meu “discman” (tem no Google também). Até que, em 98, ele lançou o CD “Prenda Minha”. Quando ouvi, tive de soltar um palavrão vindo lá do fundo da alma: não é que infeliz conseguiu descongelar meu coração magoado? Como o homem não fica quieto, ele teve oportunidade de magoar sua fã outras trocentas vezes, mas depois de fazer as pazes pela primeira vez, foi só alegria! Retomei a série “Fina Estampa”, em que Caetano passeou pelos ritmos e genialidades da música latino americana e caribenha, e isso funcionou meio que como um divisor de águas nessa relação da obra com as opiniões do artista. Baixei a guarda. Continue lendo → 

(Thea Tavares) Blog do Zé Beto




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