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Política

Política • 11 maio, 2019

A SÍNDROME DO TOURO (ARTIGO)


A constatação se escancara a todo o momento: o Brasil padece da Síndrome do Touro. Em vez de pensar com a cabeça e arremeter com o coração, faz exatamente o contrário. Querem ver? O presidente Bolsonaro ouve os impropérios contra militares em mais um vídeo de Olavo de Carvalho, insere-o em sua rede social, retira-o depois de 20 horas de exposição. Solta uma nota repudiando o libelo acusatório, mas exaltando a figura do guru dos Bolsonaros. O filho Carlos, pondo mais pólvora na fogueira, acaba compartilhando o vídeo com seus seguidores. Síndrome do Touro.
O governo, trôpego e à procura de um rumo, embala uma proposta para reformar a Previdência, encaminhando-a sem discussão prévia à Câmara dos Deputados. Por fragilidade de sua articulação política, o pacote ganha intensa discussão em uma comissão que deveria analisar apenas a questão da admissibilidade, não o mérito: é constitucional ou não? Os deputados de oposição procuram obstruir a sessão de aprovação na CCJ – Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ). A tensão entre Executivo e Legislativo se mostra por inteiro, sob a dúvida: quem efetivamente vai comandar os próximos passos na comissão especial e no plenário? Síndrome do Touro.
O Supremo Tribunal Federal (STF), criado em 1890 com a responsabilidade de ser a instância máxima de um dos três poderes recém-instituídos pela República, entra em parafuso com a decisão tempestuosa de seu presidente, ministro Dias Toffoli, de censurar a revista “Crusoé” e um site por veicularem uma reportagem intitulada “o amigo do amigo de meu pai”. Nossa mais alta Corte padece uma das maiores crises de credibilidade de sua história. Alguns de seus ministros são alvos constantes de intenso bombardeio midiático. Síndrome do Touro.
As relações entre os três poderes da República atravessam um momento crítico. De um lado, o Legislativo, com o intuito de criar um escudo em defesa de prerrogativas, sentindo-se acuado pela Corte, põe em sua agenda a tentativa de criar uma CPI da Toga, instrumento com o qual tenta pressionar os membros do Supremo. Em outra frente, um alto ministro acusa o Ministério Público de “hiperativismo”, com “procuradores usando métodos questionáveis em sua estratégia de persuasão para transformar investigados em delatores”. Sobram termos como “gentalha, cretinos, incivilizados”. Procuradores mais destemidos partem para cima de magistrados. Um deles sofre processo administrativo disciplinar aberto pelo Conselho Nacional do MP. Síndrome do Touro.
Difamação, injúria e calúnias, sob gigantesca coleção de adjetivos espetaculosos e acusações recíprocas, inflamam grupamentos que tomam posição na arena de lutas em que se transformaram as redes sociais. Os partidários do bolsonarismo digladiam com os fanáticos do lulismo, sobrando flechadas para quem se dispõe a inserir na lateral um comentário ou mesmo um esclarecimento. O clima de campanha não amainou. Cicatrizes do embate eleitoral permanecem abertas. A fogueira recebe cargas de lenha a todo instante, agigantando o apartheid social que cria um fosso entre núcleos sociais. Síndrome do Touro.
A esfera artística, cujos integrantes em sua larga maioria perfilam-se à esquerda, ressente-se da política do novo governo de rebaixar para R$ 1 milhão o teto de patrocínios culturais. A Lei Rouanet estava na mira do novo governante desde a campanha, sendo previsível mudança substantiva de seu escopo. A decisão amplia o fosso que separa artistas de todos os naipes da administração bolsonariana, fechando circuitos de interlocução e articulação. Por falta de diálogo, a classe artística deverá tocar alto suas trombetas, com forte poder de irradiação. Síndrome do Touro.
Os parlamentares ainda não se deram conta da imprescindibilidade das reformas – previdenciária, tributária, pacto federativo – para fazer avançar o País. Sem elas, não haverá amanhã radioso. Um País de grandes riquezas ameaça se transformar em um território de carências que se multiplicarão a cada dia. O Congresso mais parece uma Torre de Babel. Onde muito se fala e pouco se ouve. E o que se ouve nem sempre é a mensagem mais adequada.
Que se proclame para cima e para os lados: o momento sugere que se pense com a cabeça e arremeta com o coração. E não como faz o touro.
Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da Universidade de São Paulo (USP) e consultor político e de comunicação.
Twitter: @gaudtorquato



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