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Artigos • 09 jul, 2023

À procura de um eixo (Gaudêncio Torquato)


 

Completados 6 seis meses de governo, os termômetros são afixados no corpo do governo Lula

Completados 6 seis meses de governo, os termômetros são afixados no corpo do governo Lula para medir sua temperatura. Os números gerais atestam uma temperatura mais alta, a significar que Lula tem pressa, como quisesse tirar o tempo perdido pela administração passada.

Lula conserva uma obsessão: quer ser conhecido como o presidente que mais puxou o Brasil no caminho do progresso. É claro que a azáfama traz problemas. Quando os governantes se deixam levar pela pressa acabam confundindo o essencial com o perfunctório. E quando os atores que auxiliam os governantes – partidos, grupos políticos, ministros, operadores de estruturas – disputam espaços de poder e expandem a dissonância interna, a desorganização governamental chega próximo dos limites do perigo. Daí se perceber que o governo Lula parece meio desorganizado, como tendo dificuldades de o apito ser claramente pelos 37 ministros. O fato é que a administração precisa de uma marca.

Nos meados do sétimo mês prometido como o da “reconstrução” o que se vê é uma superestrutura sendo disputada aos nacos e à procura de um eixo. Não tem ainda um vértice. Lula pode até ter o melhor dos sonhos para o Brasil, mas, convenhamos, seu governo tenta fazer reformas, como a tributária, com origem em governos passados. Para sermos mais assertivos, analisemos o desempenho da administração pela somatória de quatro campos de viabilidade: o político, o econômico, o social e o organizativo. O equilíbrio entre eles é responsável pela fortaleza ou fragilidade das ações programáticas. Vale dizer, de antemão, que o governo lulista acumulou, desde o primeiro momento, força descomunal, mas não tem sabido transformá-la em ferramenta de eficácia da gestão. A administração deixa escapar a condição de usar o poder como “capacidade de fazer com que as coisas aconteçam”, como ensina Bertrand Russel. Basta analisar os furos exagerados em pelo menos três dos quatro cinturões do governo.

O governo não se assenta no conceito de coalizão, mas na moeda fisiológica da adesão, o que torna frouxos os elos com as estruturas partidárias. Não se estabeleceu, desde o início, um pacto de longa duração; agora, os acordos provisórios ficam sujeitos ao gosto das circunstâncias, propiciando a negociação no balcão da fisiologia. Será tarefa quase impossível consertar um erro de origem, ainda mais quando se vê no comando das Casas congressuais perfis de forte tradição coronelista.

O território social, por sua vez, espera o lençol de acolhimento, por meio do Nova Casa, Minha Vida, Bolsa Família engordado, programa de saneamento. Na Saúde, o Ministério tenta cobrir o grande déficit vacinal. Na Educação, sobram expectativas.

Outro cinturão é o da gestão, da organização administrativa, mostrando-se frágil para abarcar um corpo governamental muito gordo. Partidos incham a máquina do Estado. Milhares de contratados exibem como qualidade a carteira de filiação partidária. Com o nivelamento por baixo, a burocracia emperra. Até hoje, o governo mapeia bolsonaristas infiltrados. Substitui por petistas ou parceiros. O arcabouço fiscal foi aprovado com muitas exceções para gastos acima do teto. E que eficiência se pode esperar de um ministério que é uma colcha de retalhos, com partes esburacadas, como as que abrigam ministros sob suspeita, envolvidos em escândalos, gente sem competência gerencial, quadros que vivem em torno de uma Torre de Babel? Como um País se dá ao luxo de ver parte de sua safra perdida por causa da péssima condição das estradas? Como se pode deixar cair no ralo R$ 10 bilhões por ano em razão da calamidade do sistema viário?

O cinturão econômico, esse sim, parece bem ajustado. Trata-se de uma área que navega pelo piloto automático. Mesmo assim, é passível de críticas. Fernando Haddad é uma surpresa positiva. Sabe dialogar. Ganhou a confiança de empresários e investidores. Se arrumar a economia, tomará o lugar de Lula e será candidato em 2026. O projeto do PT é o de prolongar por mais 20 anos sua permanência no poder. Se não houver desmandos e escândalos, pode se ver fora do circuito. Há quem veja alas de dinheiro correndo, sob a lembrança dos tempos escabrosos da Petrobras. E arrematam: é a natureza do animal. É razoável pensar que o PT aprendeu com seus erros. Esperar para crer.

Gaudêncio Torquato é escritor, jornalista, professor titular da USP e consultor político




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