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Artigos • 21 ago, 2023

Deus perdido no século 21


(por Luiz Felipe Pondé, na FSP) –

Caso Deus me perguntasse se deveria vir à Terra, eu pediria que ele desistisse da ideia imediatamente para evitar um caos

Caso Deus me perguntasse se deveria vir à Terra, eu diria a ele que desistisse da ideia. Caso Deus caísse em tentação e resolvesse nos visitar e se revelar de forma indubitável, tipo “Olá! Eu sou Deus!”, e fizesse mesmo alguns milagres para provar aos incréus que ele estava diante de nós, estou seguro de que a empreitada estaria fadada ao fracasso.

Deus faria um favor enorme aos ateus, humilhando-se de forma irrevogável. Analisemos, então, a matéria de forma detida.

Claro que bilhões de crentes ficariam superexcitados com a possível chegada de Deus. Mas, primeiro problema, quem ele deveria escolher para avisar da sua chegada? Esta primeira decisão já ensejaria dramas insuperáveis nos fóruns democráticos das redes. Melhor chegar à francesa. Que chegasse de surpresa e evitasse intermediários. Um Deus sem equipe, definitivamente. Por quê? Ora, por quê. Ele teria de ser cuidadoso ao escolher sua equipe. Mas, ao chegar, precisaria de um time, afinal.

Nem Deus está a salvo do nosso eterno gosto de sangue, ainda que existam adultos que estranhem isso só porque existe um país como a Dinamarca. Por outro lado, se montasse uma equipe branquinha e hétero, seria evidente seu racismohomofobia e transfobia.

Mas há outros problemas além da lacração dos idiotas de ocasião. Onde ele se hospedaria? Esse seria um problema gravíssimo. E que ele não viesse com ideias de isentão afirmando que está em toda parte, o tempo todo, porque alguém o acusaria de plágio de um filme idiota que ganhou o Oscar há pouco tempo.

O tema da hospedagem, portanto, se impõe. Ao lado do muro do templo em Jerusalém? Os muçulmanos entrariam em ebulição, o acusando de islamofobia. Caso ele fosse a Meca, os judeus ortodoxos de Jerusalém e Nova York quebrariam lojas, incendiariam ônibus e virariam carros nas ruas.

Caso ele fosse para o Vaticano, a coisa pegaria fogo na comunidade europeia —nem a Alemanha e seu euro segurariam a coisa. Ficaria claro, finalmente, que as guerras religiosas entre católicos e protestantes nunca acabaram de fato. Nunca houve uma paz oficial. Nem a Paz da Westfália em 1648 pôs fim oficial à guerra. Como as duas Coreias, católicos e protestantes vivem numa trégua em que pararam de se matar pelo amor ao dinheiro.

Caso ele fosse à cidade onde nasceu Lutero na Alemanha e dissesse que ele era na verdade protestante, além dos católicos irem a forra numa nova noite de são Bartolomeu, as diferentes denominações protestantes voltariam a se matar com gosto renovado, como fizeram no século 17 nas guerras civis britânicas.

Isso para não falar dos povos originários de todas as partes do mundo, que, apesar de politeístas, reclamariam nesse momento dizendo que, no fundo, sempre foram monoteístas e que eles, sim, preservam as florestas. Budistas e hinduístas fariam greve de fome dizendo que esse Deus era uma farsa porque era uma pessoa, e não uma substância infinita e impessoal.

As ONGs, Greta Thunberg, feministas, Lula, coletivos trans, influenciadores digitais, todos exigiriam um espaço para suas agendas progressistas. Diante de seu silêncio, uma comissão de empreendedores da saúde mental se reuniria para discutir o diagnóstico de Deus. Mas ele resiste ao canto da sereia dos diagnósticos. Aleluia!




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