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Artigos • 17 out, 2023

Empregos de qualidade: o caminho para o Brasil vencer a pobreza


(por Shireen Mahdi, na FSP) –

Para sair da crise de capital humano e alcançar uma maior produtividade no futuro, país precisa voltar ao trilho certo

Nos primeiros 15 anos do século 21, o mercado de trabalho brasileiro gerou importantes ganhos para a economia e a população do país. O PIB real per capita aumentou 32% entre 2001 e 2011, enquanto as despesas de consumo final das famílias cresceram 36%. A renda real proveniente do trabalho aumentou 2,5% ao ano, em média, entre 2002 e 2014.

É importante notar que o aumento no emprego e na renda proveniente do trabalho justifica mais da metade da variação da pobreza moderada no período 2001-2009 e foi duas vezes mais significativa em termos relativos do que a renda não proveniente do trabalho (como aposentadorias ou programas de transferência de renda do governo, por exemplo).

Além disso, o aumento significativo da renda proveniente do trabalho na base da distribuição de renda foi o que mais contribuiu para a redução da desigualdade observada neste período, com uma contribuição de aproximadamente 45% (contra 20% das transferências feitas pelo governo e 18% das aposentadorias).

Hoje, esse quadro mudou. As transferências e outras rendas não provenientes do trabalho desempenham um papel muito maior. Estimativas do Banco Mundial indicam que pelo menos 80% da redução da pobreza no período 2019-2022 deveu-se a mudanças no sistema fiscal, principalmente pelo aumento das transferências para os pobres, e apenas 20% a mudanças no mercado de trabalho local.

Estima-se que a expansão do Bolsa Família, anteriormente chamado Auxílio Brasil, e que agora inclui 21,1 milhões de beneficiários, tenha sido responsável por 60% da redução total da pobreza projetada no período 2019-2022. Outras transferências, tais como aposentadorias rurais e o Benefício de Prestação Continuada (BPC), também contribuíram para a redução da pobreza, embora em uma escala muito menor.

Os programas de transferências do governo permitiram ao Brasil ser um dos países que conseguiram reduzir a pobreza abaixo dos níveis pré-pandemia. Contudo, com a dívida pública acima de 70% do PIB e um novo arcabouço fiscal, o Brasil requer políticas públicas que aumentem a capacidade de geração de renda dos menos favorecidos, sem aumentar continuamente o ônus sobre os cofres públicos.

É, portanto, fundamental permitir que o setor privado —que responde pela grande maioria dos empregos criados anualmente no país— crie maior número de empregos de qualidade.

O Brasil já provou que pode promover a criação de empregos e permitir que as famílias saiam da pobreza de forma sustentável. Agora, o país precisa retomar esse caminho. Esse e é um tema essencial no momento em que celebramos, em 17 de outubro, o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza, cujo foco em 2023 é o emprego como a maneira mais garantida de reduzir a pobreza e compartilhar a prosperidade.

Para promover a criação de empregos, reformas estruturais para impulsionar o crescimento, tais como a reforma dos impostos sobre o consumo, que podem aumentar a produtividade das empresas, são bem-vindas e podem ampliar os ganhos sociais para os mais pobres nos próximos anos.

Países como a Coreia do Sul implementaram reformas bem-sucedidas que visavam reforçar programas de capacitação profissional e modernizar os serviços públicos de emprego, que introduziu o uso de inteligência artificial (IA) para melhorar a alocação baseada em competências. O Brasil pode considerar soluções semelhantes.

Por fim, jamais podemos subestimar a importância dos bons investimentos em saúde e educação —que abrangem o capital humano— para preparar crianças e jovens para os empregos do futuro. A pandemia desferiu um golpe no capital humano brasileiro: em dois anos, o país perdeu o equivalente a uma década de progresso.

Espera-se que, em média, uma criança brasileira nascida em 2021 atinja apenas 54% do seu capital humano potencial quando se tornar adulta. Para sair mais forte desta crise de capital humano e alcançar uma maior produtividade do trabalho no futuro, o Brasil precisa voltar ao trilho certo.

*Economista principal do Banco Mundial para o Brasil e doutora em economia pela Universidade de Manchester (Reino Unido)

**Esta coluna foi escrita em colaboração com meus colegas do Banco Mundial Gabriel Lara Ibarra, economista sênior, e Otavio Conceição, consultor




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