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Artigos • 20 abr, 2020

O direito constitucional do quase


 

Segundo Nelson Rodrigues o diálogo entre brasileiros é sempre fatalmente um
monólogo, o interlocutor não existe, e se isso acontece com todo mundo, muito mais com os
poderosos. O Presidente da República é o que menos vê e o que menos ouve.
O Brasil é um país que exige mais, muito mais, do que meia coragem das meias
soluções. É que somos mestres em resolver nossas urgências com adiamentos, há problemas
que não podem esperar 15 minutos e nós transferimos de geração para geração. (1)
Assim somos o país do quase, esbarramos em estadistas que não estadistas, em heróis
que são quase heróis e quase fazemos as coisas vitais e realmente nunca as fazemos. (2)
O “rouba, mas faz” tem na sua essência no quase honesto, pois rouba, mas faz. (3)
Temos também “o ruim com ele, mas pior sem ele” e tantos outros provérbios
populares na mesma senda.
Some-se a tudo isto a nossa herança de violência do Brasil Colonial: de governantes
que maltratavam seus governados, de maridos que maltratavam suas esposas, de senhores
que puniam violentamente os seus escravos, de salteadores que atacavam e feriam viajantes
nas estradas. (4)
Neste cenário de violência e de soluções intermediárias, apelar para o jeitinho é pedir
para a compreensão, para analisar a situação que é diferente da normal, para dar uma solução
diferente do que prevê a norma.
O direito tem o jeitinho como uma categoria fundamental, mas poucos admitem isto.
Nos momentos de não enfrentamento das crises, que são comuns à tibieza das
instituições brasileiras é o jeitinho que se faz, triunfalmente, presente.
A norma constitucional prevê garantias e proíbe condutas, mas na hora da sua
aplicação faz-se necessário o jeitinho, para burlar o que ela originalmente previu.
Cria-se a ilusão ou fantasia jurídica de que não é bem isto que a norma quis dizer e
assim afasta-se a sua incidência.
Temos uma sociedade violenta, na qual as leis e as instituições são, ora rígidas, ora
frouxas, dependendo dos interlocutores, das situações e das classes sociais envolvidas.
Uma Constituição e uma República do quase.
Um presidente, que diz uma coisa e faz outra e vice-versa, um Supremo e o Congresso
que não enfrentam tais erraticidades e fingem que a Constituição não quis dizer bem isto.
O Ministério Público Federal investiga passeatas que pretendem um novo AI 5 com o
fechamento do Judiciário e do Legislativo, mas o personagem principal não será investigado.
Em movimentos profundamente contraditórios, ignora-se a gravidade da Pandemia.
A Constituição, o direito à saúde pública e o direito à vida tornaram-se um quase
constitucional.
Referências:
1.RODRIGUES, Nelson. O reacionário: memórias e confissões. Rio de Janeiro: Record, 1977, p.
86-86.
2. RODRIGUES, ___, p. 87-88.
3. BARBOSA, Lívia. O jeitinho brasileiro: a arte de ser mais igual do que os outros. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2006, p. 55.
4. SILVA, Maria Beatriz Nizza. Vida privada e quotidiano no Brasil: na época de D. Maria e D.
João VI. Lisboa: Estampa, 1995, p. 307.

Claudio Henrique de Castro




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