Campo Grande, 08/05/2024 07:39

Blog do Manoel Afonso

Opinião e atitude no Mato Grosso do Sul

Política

Política • 25 fev, 2022

O Império que não quer cair


 (por Demétrio Magnoli) –  A ambição de Putin é restaurar a Grande Rússia, começando pelo núcleo com Belarus e Ucrânia

“É tudo culpa de Lênin”, pontificou outro Vladimir, Putin, no sinistro discurso que pronunciou na TV russa anunciando o reconhecimento da independência dos enclaves separatistas do Donbass. O líder da Revolução Russa teria fabricado a Ucrânia, privando a Rússia de seu berço cultural. A história putínica é lenda destinada a justificar uma guerra de agressão, mas ilumina um dilema de cem anos.

Nas suas linhas gerais, o mapa atual da Europa foi desenhado pelos tratados que encerraram a Grande Guerra, entre 1918 e 1920. Sob o impacto dos nacionalismos e do programa de Woodrow Wilson, nasceram os Estados-Nação.

As novas entidades, supostamente ancoradas na língua e na tradição, foram esculpidas a partir das ruínas dos impérios que desabavam. Desapareceram os impérios Alemão, Austro-Húngaro e Turco-Otomano. Contudo, graças ao triunfo dos revolucionários bolcheviques, sobreviveu o Império Russo, apenas convertido na URSS. “Império vermelho”, mais que uma expressão retórica, é a descrição precisa da conservação de um fóssil no permafrost do Estado soviético.

Nada, porém, atravessou impunemente a era dos nacionalismos. O tema nacionalista infectou o pensamento comunista, condicionando a organização política do “Império vermelho”. Lênin, o danado, criou uma união de 15 repúblicas nominalmente soberanas. Nesse sentido específico, Putin fala a verdade.

De fato, claro, o Estado soviético era uma entidade centralizada: uma constelação que girava ao redor da Rússia, ou melhor, do PCUS. Não é por acaso que cada república tinha seu próprio partido comunista, menos a Rússia. O partido único russo era o PCUS, centro intocável do poder. Mas, ironicamente, a soberania fictícia das repúblicas soviéticas propiciou, no final de 1991, o fundamento jurídico para a criação dos 15 Estados pós-soviéticos, entre os quais a Ucrânia.

A história putínica, fixada em Lênin e na implosão da URSS, ignora o nacionalismo ucraniano. Como todas as narrativas nacionais, ele ergue uma “comunidade imaginada” cuja inspiração remonta ao proto-Estado militar cossaco (Zaporozhian Sich) que, entre 1552 e 1775, conservou uma relativa autonomia diante de poloneses, otomanos e russos.

Na saga nacional ucraniana, ocupa lugar de destaque o Holodomor, o extermínio pela fome de mais de 3 milhões provocado pela coletivização forçada soviética em 1932-33, que reacendeu a chama antirrussa. O termo genocídio, hoje capturado por oportunistas diversos, inclusive Putin, define adequadamente a tragédia emanada daquele experimento de engenharia político-social. A revolução popular na Ucrânia, em 2013-14, que está na raiz da invasão russa em curso, evidenciou a persistência do nacionalismo ucraniano.

Continue lendo 




Deixe seu comentário