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Artigos • 15 set, 2022

A unha e a rainha


(por Carlos Castelo ) – 

É claro que não conheci Elizabeth II. Mas me lembro bem do dia em que ela veio a São Paulo para inaugurar o MASP.

Foi em 8 de novembro de 1968. Eu estava na quinta série, num colégio que margeava as obras do que seria a avenida 23 de Maio. Ali, alguns colegas e eu, costumávamos bater bola no chão de terra.

No recreio, descíamos um morro íngreme, ao lado do atual viaduto Engenheiro Antônio de Carvalho Aguiar. Nunca tivéramos problemas. Dávamos nossos chutes e, quando tocava o sinal, retornávamos à base.

No dia em que Beth passou de Rolls Royce pela cidade, as coisas azedaram para o nosso lado. Vieram funcionários da obra e nos botaram para correr. Creio que, por ordens superiores, a fim de deixar tudo nos conformes para a passagem de Sua Alteza imperial.

A coisa não foi nada amistosa. Recordo-me inclusive de, no afã de subir o morro de volta à escola, ter perdido uma unha da mão. É natural que o desagradável episódio tenha ficado ligado à Sua Majestade. Dali em diante, passei a ter antipatia pela figura de Beth.

A birra piorou quando, já adulto, visitei o castelo de Windsor. A ala gigantesca, reservada à casa de brinquedos da nobre menina, me deixou perplexo. Nunca me esqueci de uma boneca, presenteada à ainda princesa por um marajá indiano, cujos olhos eram dois diamantes. Coisa de filme do Chucky.

É sabido que a Grã-Bretanha é especialista em comunicação. The Beatles, Rolling Stones, James Bond, Scotland Yard, BBC são produtos do marketing mais bem elaborado do planeta. Sem essa ferramenta, Beth não seria muito mais do que uma imperatriz Leopoldina. Porém, a publicidade britânica é tão genial que até no Brasil, onde os interesses da Casa de Windsor foram ínfimos, muitos se condoeram com a perda da soberana inglesa.

Lembrou até o dia em que a rainha da TV nacional, Hebe Camargo, faleceu. A diferença é que Hebe nasceu em Taubaté, não em Bruton Street.

Beth representou um povo que desejava ser governado pela aristocracia. Não admiro, entretanto, respeito. Mas perder minha unha por causa da matusalêmica senhora, além de não aceitar, ainda esconjuro.

*Publicado no O Dia




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