Campo Grande, 28/04/2024 11:13

Blog do Manoel Afonso

Opinião e atitude no Mato Grosso do Sul

Artigos

Artigos • 18 abr, 2020

Coronavírus: realidade e previsões


Já era hora de a Ciência sair do gabinete e ir a campo para desvendar o comportamento do vírus “da porta do hospital para fora”

Rafael Picon, PhD, Médico e Professor da Faculdade de Medicina da UNIVATES

Notem no título que “realidade” está no singular e “previsões”, no plural. Não é por acaso. Enquanto, por exemplo, há inúmeras previsões do tempo possíveis para o dia seguinte em Porto Alegre – uma prevê chuva, outra antevê sol, etc. -, esse dia chega e a realidade única se impõe: fez chuva, fez sol ou nublou. Logo, quem determina se a previsão estava correta é a realidade objetiva dos fatos, e não o contrário. Previsão do tempo, como qualquer previsão científica, é baseada em modelos matemáticos, simplificações da realidade calcadas em parâmetros conhecidos ou estimados, como temperatura do ar, pressão atmosférica, direção do vento, entre outros tantos. Modelos preditivos são ferramentas úteis, mas não são infalíveis.

Dito isso, pergunto: quem confiaria numa previsão do tempo que, ao invés de empregar a direção do vento em Porto Alegre, extrapolou esse parâmetro a partir do mensurado em Paris? Quem confiaria nas predições de um Escore de Framingham em que a pressão arterial do paciente foi suposta, e não aferida? A maioria dos leitores responderia enfaticamente: “Eu não!”

Pois bem, saibam que os modelos do Imperial College de Londres, centro colaborador da OMS, que estimaram dezenas de milhões de mortes por covid-19 no mundo, estão repletos de extrapolações inapropriadas. Esse sem-fim de mortes parte da generalização de dados chineses de letalidade hospitalar do novo coronavírus para a população geral mundial (extra-hospitalar) mediante boa dose de contorcionismo matemático. Essa distorção produziu uma estimativa de letalidade, a nível global, de 0,57% para a covid-19 (ou 57 mortes para cada 10 mil infectados), cifra 23 vezes maior do que a da influenza H1N1, de 0,025%, doença que já se sabia ser mais letal do que a causada pelo coronavírus. Extrapolação semelhante se aplicou às taxas de hospitalização da doença. Essas duas generalizações indevidas são apenas alguns dos equívocos epidemiológicos praticados pelo Imperial College e referendados pela OMS. Esses modelos matemáticos seriam apenas previsões questionáveis sem grandes consequências se não tivessem norteado as diretrizes públicas de enfrentamento da pandemia em praticamente todo o Ocidente.

Assim como a comprovação da acurácia da previsão do tempo por meio da constatação da realidade, o verdadeiro impacto do novo coronavírus na população geral só será conhecido a partir do levantamento de dados da infecção na comunidade, e não por modelos duvidosos. Felizmente, iniciativa em curso liderada pela UFPel deverá sanar esse desconhecimento por meio de inquérito sorológico em amostra representativa da população gaúcha. Já era hora de a Ciência sair do gabinete e ir a campo para desvendar o comportamento do vírus “da porta do hospital para fora”. Devemos aguardar os achados desse estudo inestimável e insubstituível, e agir conforme os dados empíricos do mundo real. Confrontemos o racionalismo londrino com o empirismo pelotense. Vejamos se chove ou faz sol.

Rafael Picon, PhD, Médico e Professor da Faculdade de Medicina da UNIVATES – Zero Hora

 




Deixe seu comentário