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Artigos • 26 out, 2023

Em nome do serviço público


(por Célio Heitor Guimarães) – 

Relendo antiga coluna do mestre Armando Nogueira, que revolucionou a crônica esportiva brasileira, concluí que, assim como no futebol apenas craques deveriam entrar em campo, somente poderia lidar com a administração pública quem fosse talhado para tal, tivesse intimidade com as “quatro linhas”, isto é, apenas fosse do ramo. E assim ter-se-ia evitado que ela chegasse à situação em que chegou, estruturalmente falando.

Tal qual passear simplesmente pelos gramados sem nenhuma arte ou criatividade, ocupar cargos públicos burocraticamente qualquer um passeia ou ocupa. Agora, jogar bonito, levar o time à vitória e fazer a torcida vibrar, não é tarefa para qualquer um. Só para quem tem talento, só para craque. E só para aqueles que estão no campo da luta ou já estiveram lá e têm compromissos com a administração pública, aqueles que lhe conhecem as entranhas, os problemas e, sobretudo, as necessidades e, ainda assim, nutrem sincera afeição por ela e se propõem a trabalhar com decência e seriedade, sem esperar nenhuma recompensa pessoal por isso.

É um dom natural, que vem do berço e se solidifica com a ação.

Como sintetiza o saudoso Armando Nogueira, o esforçado pode vir a jogar – e administrar, acrescento eu – bem ou mal, por esforço e até mesmo capacidade, mas o craque será sempre por faculdade.

Atuar na administração pública é, sobretudo, uma questão de fé, por mais piegas e absurda que esta afirmação possa parecer. Apesar dos maus exemplos, que são rapidamente transformados em estereótipo-padrão, com a má-reputação de indolente, incompetente e privilegiado. O ataque aos servidores públicos, às vezes, parte dos próprios governantes, estes sim, no mais das vezes, tristes figuras transitórias, sem nenhum vínculo com o serviço público e sem nenhuma estima por ele. Quando muito, dele se valem para chegar ao poder e ali usufruir benefícios e ali aninhar parentes, amigos e credores de favores. E falo dos três Poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário.

Pessoalmente, tenho uma tese simples, embora explosiva, tantas vezes repetida: querem moralizar a administração pública?  Comecem por acabar com os cargos em comissão, aqueles chamados “de confiança”, para cujo acesso dispensa-se concurso público, títulos, competência e até o comparecimento à repartição. Eles não passam, como se sabe, de uma excrescência getulista, criada para atender os apaniguados do velho caudilho, que vem crescendo e se perpetuando desde então, sem que ninguém tenha a coragem (ou interesse) de tomar uma providência saneadora. A opção seria manter o mínimo necessário de cargos em comissão e preenchê-los, obrigatoriamente, com servidores de carreira.

Serviço público é coisa para profissional de carteirinha e não admite amadores. Senão, o Estado não funciona, o cidadão não tem atendimento e os tais governantes ficam falando sozinhos – como tem acontecido.

Como, minha senhora? Qual o propósito dessa lengalenga toda? Talvez, preencher, com algum conteúdo, este espaço que a benevolência do mestre Zé Beto me concedeu. Mas, observando o panorama que se descortina, já há algum tempo, na administração pública (estadual, municipal e federal), ela tem a sua razão de ser. Sobretudo neste momento, em que se discute a reforma dos serviços públicos e o futuro dos servidores, sempre eleitos responsáveis pelas mazelas e pelos déficits do Estado. Só que sem eles nem o Estado existiria.

P.S. – A propósito da passagem do Dia do Professor, aqui tratado no texto anterior, a psicóloga e consultora educacional Rosely Sayão contou no Estadão que tem um amigo brasileiro, que é professor e exerce a docência universitária nos EUA. Revela que, ao fazer um cadastro em uma loja, ele recebe agradecimentos pelos serviços prestados ao país. E emenda: “Aqui, quando alguém diz que é professor/a, pode muito bem ouvir de volta: ‘Mas você só dá aula, não trabalha?’”. Ah, meu Brasil!




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