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Artigos • 24 fev, 2023

Falemos, pois, sobre o verdadeiro dragão da maldade da heterodoxia


(por Reinaldo Azevedo) – 

Litoral norte de SP remete a iniquidades anteriores à PEC da Transição

O Brasil real insiste em desafiar algumas ideias “magras e severas” (Musil) sobre Orçamento, juros e outras réguas da economia que decidem o destino da carne dos pobres. Lembro um caso. Na imprensa, eu me senti quase um ET ao defender a PEC de Transição. O Orçamento do Biltre Homiziado de Orlando havia reservado, por exemplo, R$ 34,1 milhões para o Minha Casa, Minha Vida neste ano. A PEC, que apelidei “da Realidade Orçamentária”, definiu R$ 9,5 bilhões para o programa. Negociações no Congresso, no âmbito desse texto, elevaram a verba para a prevenção de desastres de R$ 671,54 milhões para R$ 1,2 bilhão — ainda assim, a mais baixa desde 2010.

Isso tudo se deu antes de o litoral norte de São Paulo desabar sob o peso da iniquidade. Muita gente sofreu e sofre com isso. Mas foram os pobres, de novo, a morrer soterrados. Para reservar recursos ao programa, foi preciso vencer a tese, digamos, exótica —que se vendia como ortodoxa— de que aquele Orçamento doidivanas de Bolsonaro-Paulo Guedes era exequível. No ano passado, as chuvas mataram quase 500 pessoas. Há 40 mil áreas de risco, onde vivem 10 milhões. Todo ano, as águas deslocam de suas moradias mais de 300 mil. Depois voltam, com o céu de anil. O debate, para alguns, jamais deveria sair do mundo como ideia, desprezada a realidade, para não turvar a limpidez dos princípios com essa gente morena.

Querem ver? Nunca antes perder um debate rendeu tantos apoios, aplausos e elogios, em certos nichos ao menos, como aconteceu, por exemplo, com Roberto Campos Neto, presidente do BC, no caso dos juros estelares. Seus entusiastas decidiram fundar já não uma teoria, mas um teorema. Qualquer que seja a natureza da inflação, a taxa cavalar é a hipotenusa inescapável porque ela corresponde à soma dos quadrados dos catetos. Mas e a hipótese de os fatores que concorrem para a elevação dos preços não espelharem tal soma? Se for assim, pior para os fatos.

Nessas pouco mais de três semanas, restou evidente que o BC é administrado pelas expectativas dos mercados —e se diz ser heresia atuar para administrá-las. Logo, sabe-se o limite de sua autonomia. Assim, o Focus já leva à conjectura de que uma eventual queda da Selic só deva ocorrer no segundo trimestre do ano que vem. Se o remédio está matando o paciente, aumente-se a dose. O importante é demonstrar convicção para enfrentar as “ideologias contrárias às tradições do nosso povo”.

Essas considerações, não ignoro, trazem o cheiro de enxofre da heterodoxia. Seriam também uma tentativa de repisar aquilo que já deu errado em outros Carnavais. Na linha, pois, do que é líquido e certo, ouso indagar quando juros reais de 8% já se mostraram eficazes no combate a uma inflação derivada de choque de oferta. Nunca. Assim, no terreno das metáforas influentes, obrigo-me a concluir que a Selic a 13,75% está para a inflação em curso como estava a cloroquina para o combate à Covid. Não é ciência. Não cura e tem efeitos colaterais. Parece bem pouco ortodoxo.

E se os fatos indicarem que, nesses assuntos, há um erro não no teorema, mas de teorema? Bem, restaria a seus defensores apelar a uma blague genial de Nelson Rodrigues numa crônica de 1963: “Amigos, eu sei que os fatos não confirmaram a profecia. Ao que o profeta pode responder: ‘Pior para os fatos!’.” Até a próxima catástrofe.

*Publicado na Folha de S.Paulo




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